Iniciação desportiva ou especialização precoce?
 
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Iniciação desportiva ou especialização precoce?

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bolas desportivasAs federações e associações representativas das modalidades desportivas têm legitimamente uma grande preocupação na captação de atletas e jogadores para o seu desporto.

Os desportos Mini (envolvendo crianças dos 8 aos 12 anos) que apareceram e se começaram a expandir na segunda metade do século XX são disso exemplo. Mais recentemente somos testemunha de um alargamento de práticas dirigidas a escalões etários ainda mais baixos, como é o caso do Baby-básquete.

Este fenómeno, contudo, coloca algumas interrogações e dúvidas: não constituirão uma especialização precoce? Haverá alternativas a esta tendência? O que se poderá e deverá constituir como “desporto da criança”?

Vamos tentar de seguida dar algumas respostas, com o pensamento em alguns exemplos de iniciativas do passado do desporto nacional e internacional, que porventura não serão do conhecimento dos leitores.

Já há muito tempo que se questiona a especialização precoce no desporto. Entende-se por isso o afunilamento da sua prática desportiva em idades muito novas numa única modalidade. Os inconvenientes e prejuízos para as crianças dessas práticas têm sido estudados e penso que mesmo o mero bom senso nos pode fazer chegar a conclusões válidas:

  • antes de uma especialização no campo desportivo, as crianças devem experimentar e praticar um leque significativo de práticas físico-desportivas de carácter variado. Só passando por essas experiências poderão determinar os gostos e aptidões e posteriormente tomar decisões sobre a futura especialização. É claro que as coisas não funcionam do mesmo modo relativamente a todos os desportos, havendo idades diferentes para as respectivas especializações;
  • além da Educação Física escolar que é um campo de educação e formação geral, corporal e desportiva, onde muitos desportos devem ser praticados, pensamos que as crianças devem ter acesso a algo mais de formação desportiva. Acresce o facto de em países como o nosso a Educação Física no 1.º ciclo é extremamente deficitária, faltando os recursos físicos, humanos e a vontade política para os generalizar;
  • somos de opinião, portanto, que além da EF escolar, nas idades correspondentes aos primeiro e segundo ciclos do ensino básico, (que segundo muitos autores são a idade de ouro das aprendizagens motoras) se deveria optar por um figurino de prática desportiva multiforme, com recurso a práticas muito diversificadas. Só a partir dessa base ampla e de forma progressiva, se deve caminhar para a especialização. Por todas estas razões se pode chegar à conclusão que os desportos mini, se praticados em exclusividade, não são a solução ideal para o “desporto da criança”.

Depois de expostos estes pressupostos falemos de algumas realidades históricas relacionadas com esta temática.

Em França, o professor de Educação Física Auguste Listello, já nos anos cinquenta do século XX propunha a chamada “prática desportiva educativa generalizada”. Os moldes em que a definiu e para os quais apresentou propostas em livro (Listello, 1959), em grande parte assentavam no terreno escolar e baseiam-se nos argumentos que já apresentámos anteriormente.

Ainda em França, a FSGT, Federação Gímnica e multi-desportiva ligada ao mundo do trabalho, devido ao seu carácter diferente nos objectivos e concepção de desporto, conseguiu concretizar um modelo de prática desportiva apropriada para as crianças. Nos Estágios Maurice Baquet que se realizaram desde meados dos anos 60 até aos fins dos anos 70, elaborou-se uma concepção inovadora de “desporto da criança” em contraposição ao desporto para a criança.  Um dos seus lemas era “nem prática inconsistente, nem prática inconsiderada do desporto”. Significava essa frase que, nem as crianças deveriam ser apenas deixadas ao jogo livre da sua motricidade ordinária, nem, por outro lado, deveriam ser submersas pela prática do desporto nos moldes em que os adultos a realizavam. Os resultados a que chegaram ficaram plasmados em várias publicações (Cam, Crunelle, Giana, Grosgeorge, & Labiche, 1975; Collectif, 1979; Marsenach & Druenne, 1974; Quilis, 1974; Vasseur, s.d.; Viala & Farget, 1975) e num livro relativamente recente fez-se um balanço desses estágios em vários aspectos importantes (Goirand, Journet, Marsenach, Moustard, & Portes, 2004).

Em Portugal, e mais concretamente no Barreiro, porventura inspirando-se nessas ideias de França, ganhou corpo uma iniciativa extremamente interessante e de grande valor de que tivemos conhecimento por parte daquele que foi o seu concretizador, o professor Francisco Costa. Referimo-nos concretamente à iniciação desportiva praticada na CUF (Companhia União Fabril), que existiu durante praticamente toda a década de 60. Segundo me contou o professor Francisco, um impulso fundamental para a existência de uma iniciação desportiva na CUF foi o facto do professor José Esteves, que na altura era o treinador da sua equipa sénior de basquetebol ter insistido com a direcção sobre a importância da sua existência. Essa iniciação era aberta a todas as crianças da zona, geralmente de meios populares e operários. Constava de práticas desportivas diversificadas, três dias por semana (Segundas, Quartas e Sextas) envolvendo atletismo, futebol, basquetebol, andebol, hoquei em campo, rugby, e patinagem. Ao Sábado as crianças tinham ainda a oportunidade de aprender a jogar xadrez. O modelo de ensino era baseado em formas jogadas, sendo que para todos os desportos e modalidades foram elaborados pelo professor Francisco Costa, regulamentos simplificados, em moldes parecidos com o que o professor José Esteves tinha apresentado no Basquetebol Simplificado (de que já falámos em artigo anterior, aqui no PlanetaBasket). A adesão das crianças era muito grande e de lá saíram muitos exemplos de jogadores de nível nacional e internacional do desporto português.

Desconhecemos a existência de iniciativas deste género antes ou depois da que descrevemos anteriormente.

Voltando à questão das modalidades Mini que são promovidas pelas federações e associações, pensámos que para se tornarem mais válidas e não contraproducentes com a formação das crianças, deverão passar por algumas transformações:

  • alargarem o leque de práticas para além do basquetebol, nas sessões de treino;
  • terem uma concepção de prática do basquetebol que utilize largamente, meios e formas de jogo e de exercitação que estejam para lá da especialização nas técnicas do basquetebol;
  • que tenham um ambiente festivo e que integrem em vários momentos muitas outras coisas para além do basquetebol.

Aquilo que o andebol tem promovido para as crianças nos chamados “Fest’and’s”, parece-me que vai nesse sentido e poderá ser algo que pode ser emulado no Minibásquete. Felizmente já presenciamos também em alguns locais do país, algumas organizações de convívios de Minibásquete de grande valor formativo pela riqueza de conteúdos e da sua envolvência humana.

Os exemplos proporcionados pelas propostas de San Payo Araújo, responsável técnico federativo para o Minibásquete têm também, no meu entender, grande interesse e qualidade, principalmente se os percepcionarmos no seu todo. Referimo-nos aos convívios de Minibásquete, aos Memoriais Mário Lemos, aos Jamboree’s e e às acções em que ele próprio está presente.

Escola da bola - Kröger & Roth, 2003Como proposta final deixamos aqui uma ideia: porque não se aposta na iniciação desportiva generalizada em moldes parecidos como aqueles que descrevemos do Barreiro. Afinal, passados que são mais de quarenta anos, tanto do ponto de vista prático como científico não me parece que o que existe hoje seja mais avançado do que esse modelo que funcionou durante uma década. A propósito não quero deixar de mencionar um conceito de iniciação desportiva proveniente da Alemanha e que é actualmente conhecida como “Escola da bola” (Kröger & Roth, 2003). Tem também raízes em estudos e práticas dos anos sessenta nas Alemanhas então existentes (Alberti & Rothenberg, 1984; Dietrich, 1989; Mahlo, 1969), e desenvolve um género de prática multiforme para crianças, abrangendo os vários modos da motricidade humana. Essa formação de base permite aos futuros jovens um ingresso de qualidade nas especializações que escolherem futuramente. Registe-se que os autores desta proposta concedem uma grande importância à aprendizagem tácita e não só à intencional. Em estudos que realizaram sobre a biografia de atletas de excepção em várias modalidades verificaram a existência, na vida deles, de um período de infância extremamente rico em experiências lúdico motoras. Desses estudos extrapolaram ideias e práticas para o modelo de formação de base a que chamam, como já referimos, de “Escola da bola”.

Ficam então aqui estes apontamentos que resultaram mais uma vez, em grande parte, das conversas prazerosas que tenho tido com o professor e ex-treinador Francisco Costa, homem de grande sabedoria e sensibilidade nas ideias, nos actos actos e nas palavras.


Alberti, H., & Rothenberg, L. (1984). Ensino de jogos esportivos. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A.
Cam, Y., Crunelle, J., Giana, E., Grosgeorge, B., & Labiche, J. (1975). Memento Basket-ball. CPS FSGT. L'enfant et l'activité physique et sportive. Paris: Armand Colin-Bourrelier.
Collectif. (1979). Football. Memento CPS FSGT. Paris: Les Editions Sport et Plein Air.
Dietrich, K. (1989). Le football. Apprentissage et pratique par le jeu. Paris: Vigot.
Goirand, P., Journet, J., Marsenach, J., Moustard, R., & Portes, M. (2004). Les stages Maurice Baquet. 1965-1975. Genèse du sport de l'enfant. Paris: L'Harmattan.
Kröger, C., & Roth, K. (2003). Escuela de balón. Guia para principiantes. Barcelona: Editorial Paidotribo.
Listello, A. (Ed.). (1959). Récréation et Éducation Physique Sportive. Paris: Éditions Bourrelier.
Mahlo, F. (1969). L'acte tactique en jeu. Paris: Vigot Freres Editeurs.
Marsenach, J. D., Monique, & Druenne, F. (1974). Volley-ball. Memento CPS FSGT. Paris: Armand Colin-Bourrelier.
Quilis, A. T., Hubert; Rousset, Jean. (1974). Rugby. Memento CPS FSGT. Paris: Armand Colin-Bourrelier.
Vasseur, C. (s.d.). Atletismo. Memento CPS FSGT. Paris: Armand Colin-Bourrelier.
Viala, M., & Farget, M. (1975). Hand-ball. Memento CPS FSGT. Paris: Armand Colin-Bourrelier.

 

Comentários 

 
+2 #3 Patrícia Correia 20-04-2012 14:26
Quero felicita-lo por este artigo.
Falo por um projecto de Babybasket em Agrupamento de Escolas em que o Babybasket é uma actividade que todos apreciam (desde os alunos, aos pais, auxiliares e até mesmo os coordenadores de Agrupamentos). Não é um clube que está a dinamizar as escolas, mas sim autarquia que pretende realizar actividades lúdicas, educativas, e sensibilizar os pais que não é só vêr televisão e jogar playstacion, comer bolos, que se pode divertir. Idades entre os 4 e os 6 anos de idade, é altura de experimentar novas actividades, pois simplesmente estas crainças nestas idades são muito curiosas e porque não proporcionar o Babybasket (jogos tradicionais, brincadeiras de escolas, "o jogo que eu lanço no cesto dele e ele no meu_dito por uma menina 5 anos", jogos didáticos, saltar, correr...) Se muitos irão continuar? De certeza que não...Se irão ser jogadores profissionais, talvez um! A prática da modalidade enriquece quem está a realizar e aos mais pequenos também.
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+2 #2 João Ribeiro 19-04-2012 22:03
Parte 2
Resultante do comentário anterior somos levados a concluir que os clubes que agem em consciência promovem a atividade desportiva infanto-juvenil em consciência com um desenvolvimento motor equilibrado, eclético e diversificado. Quem pretende resultados a curto prazo manipula as coisas em seu proveito. O Minibasquete é uma excelente atividade e de riqueza inigualável. Quem Coordena esta atividade tem como lema a criança, proporcionando-lhe experiências ricas. Quem olha para o seu umbigo injeta doses maciças da sua modalidade levando o atleta ao abandono mais tarde ou mais cedo. O nosso estado provavelmente olha de lado, sabendo que será necessário um grande investimento para que possamos no futuro ter uma cultura desportiva mais abrangente do que apenas associar desporto a Futebol.
Daí que falarmos em especialização precoce simplesmente é falar nos que olham apenas para o seu umbigo e para o presente.
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+2 #1 João Ribeiro 19-04-2012 21:56
Caro Henrique, quero aproveitar, a propósito deste e anteriores artigos, para felicitá-lo pela pertinência dos temas que analisa. Particularmente este último tema, desperta-me uma pequena reflexão a este respeito. Sustentada a minha opinião até pelo que relata no texto podemos confirmar a tese de que o "pensar" o desporto como uma opção política vincada, organizada e com um propósito definido (se bem que sem acessível a todos) só mesmo remontando aos tempos da Mocidade Portuguesa. Excepção feita a esse tempo somos levados a concluir que a Atividade desportiva, nas mais diferentes manifestações não é uma prioridade política. Pelo menos na prática. O resultado tem sido vísivel: os clubes têm sido os responsáveis pelo desenvolvimento motor e regular prática de atividade desportivas das crianças e jovens.
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