Evolução táctica do jogo (2)
 
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Evolução táctica do jogo (2)

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Henrique SantosNesta quinta-feira continuamos e esboçar a evolução da táctica na história  basquetebol com o recurso, sobretudo, a mais alguns dos autores que sobre ela se debruçaram.

A proposta de Jacques Legrand

Outro autor que explicitamente abordou esta questão, Jaques Legrand, numa obra colectiva dedicada a uma abordagem cultural e tecnológica das actividades físicas e desportivas (Legrand, 2005), aponta também três grandes fases na dinâmica do Basquetebol, embora as perspective e classifique de forma algo diferente do autor anterior. Na primeira estão “As Combinações”; na segunda “As Continuidades” e numa terceira e contemporânea, a fase do “Jogo Livre”. Pensamos que este autor esqueceu uma fase anterior do jogo a que poderíamos chamar de “Fase espontânea” que foi anterior ao aparecimento das “Combinações” no jogo. Relativamente às Combinações, já foram feitas referências na sistematização de Herr. Quanto às Continuidades, que estão subentendidas também de certo modo na classificação anterior, os treinadores tentaram tornar o jogo mais adaptável, menos mecânico, com jogadas de ataque que continham no seu interior algumas hipóteses de opção e sobretudo que quando não resultavam poderiam ser recomeçadas. Também aqui, como refere Legrand, a criatividade esteve nos treinadores do lado de lá do Atlântico, na pátria do basquetebol, que inventaram, entre outros, os conhecidos ataques “Shuffle”, o “Flex” e o “Passing game”. Convém dizer-se que estas Continuidades eram possíveis quando os ataques não estavam estritamente limitados pelo tempo (24 segundos), ou então dispõem de tempos de realização longos (os 35 segundos de ataque da NCAA). Na terceira fase, a do “Jogo livre”, que para outros autores (Bosc & Poulain, 1996) se denomina como o “Jogo esclarecido”,  “Jogo por leitura” ou jogo por princípios ou conceitos, a iniciativa dos jogadores é muito maior. Embora devam respeitar certas regras organizacionais da equipa a decisão é dos jogadores no campo de jogo. Como analogia e a exemplo do que acontece com os automobilistas nas estradas, desde que seja respeitado o código, a forma de conduzir e os caminhos a tomar podem ser diferentes. Tal forma de jogo requer dos jogadores um desenvolvimento estratégico-táctico e técnico muito maior e exige e desenvolve muito mais os seus recursos perceptivo-decisionais, do que nas anteriores combinações e continuidades. Torna também o “scouting” dos adversários virtualmente impossível. É preciso dizer-se, no entanto, que um ataque como o “Motion offense” remonta a 1920, com os atacantes a usarem os cortes e os bloqueios, em busca de fáceis lançamentos na passada, permitidos pelas fraquezas da defesas homem a homem da altura, que ainda não tinham desenvolvido as ajudas.

Comentando este sistema tripartido, - combinações, continuidades, jogo livre - note-se como na actualidade o que se verifica no alto rendimento (ou deveria verificar) é absolutamente natural e rentável é uma combinação sábia de combinações (designadamente em fases estáticas do jogo), de continuidades e de jogo livre. Aí, cada uma dessas formas de jogo tem lugar próprio em momentos e fases diferentes do próprio jogo. Também há momentos próprios para serem utilizados no próprio processo de ensino. E aí a lógica é diferente do princípio da rentabilidade imediata que é típica da alta competição. Fazendo um contraponto ao que foi anteriormente exposto, em que se depreende que o Jogo livre” é, de certo modo, superior ao jogo por combinações ou por continuidades, um autor como Wooden (2006) dá uma perspectiva diferente da questão. Primeiro elabora a sua perspectiva numa plataforma, que nós denominaríamos como construtivista, ao considerar os conteúdos do jogo inseridos num processo de construção de soluções a problemas que vão sendo postos no jogo pelos adversários. Assim, um determinado tipo de ataque, e designadamente as formas sucessivas das suas “entradas”, isto é, as formas de iniciar as combinações utilizadas, foram respostas surgidas a problemas colocados pelos defensores adversários, os quais, prevendo essas mesmas entradas cortaram ou dificultaram a sua ocorrência. Daí uma tendência para a complexificação e diversificação do ataque. Por outro lado, uma combinação, desde que aprendida de forma inteligente, sabendo para que serve, e quando e como deve ser utilizada ou não, não é algo que transforme necessariamente os jogadores em robot’s mecanizados ou as equipas em mecanismos sem inteligência. A questão a salvaguardar residirá na existência de alternativas de ataque em resposta às alternativas de defesa. Um outro aspecto importantíssimo e que é referido pelos dois autores a que nos temos vindo a reportar, é que os sistemas ofensivos, têm todos as suas virtualidades e defeitos, as suas vantagens e desvantagens. A crítica fundamentada por eles feita a ataques mais modernos e muito em moda actualmente tais como o Flex e o Motion são bem de reter. Relativamente aos tipos de ataque através de combinações múltiplas ou ataques múltiplos, como são os de Wooden ou de Dean Smith (1981), na maior parte dos casos possuem alguns pontos fortes. Salientamos para já três: a sua variedade sistematizada, o aproveitamento criterioso dos recursos humanos ao dispor dos treinadores e uma previsão altamente criteriosa da forma como os ataques podem ser finalizados. Estes pontos fortes permitem estruturar as equipas de forma muito rentável, no espaço, no tempo e na alocação dos recursos disponíveis.

A classificação de Olivera Betrán

Numa sistematização muito completa, interessante e bem fundamentada das inovações técnico-tácticas do Basquetebol, comparando-as em paralelo com as alterações às regras e a outros marcos históricos, um autor espanhol, Olivera Betrán (1984), divide a sua evolução em cinco etapas. A primeira denomina-a como “A estruturação do jogo em busca da sua identidade” (entre 1891 e 1913). Coincide globalmente com a primeira fase de Herr, embora desenvolva mais pormenorizadamente o conteúdo desta fase, apontando, por exemplo, as datas de aparecimento da técnica do pé pivot (1893) e das tabelas (1896). Diga-se como curiosidade importante que esta última inovação material surgiu por factores contingenciais (interferência de espectadores nos lançamentos) e tornou-se posteriormente uma verdadeira imagem de marca do jogo. À segunda etapa (1914-1945) chama-lhe: “A defesa supera o ataque”. Aqui este autor adopta um procedimento de análise do jogo característico de uma forma nova de o conceber, aliás já utilizada também por Herr e que começou em autores franceses da década de 50. Esta forma “inspirada da dialéctica” como desde o início dos anos sessenta, Bernard (1962) e Mérand (1989) concebiam os Jogos Desportivos Colectivos por contraposição com uma forma que diziam ser “inspirada do mecanismo”, tinha tido precursores no Basquetebol como o professor e treinador de Basquetebol Émile Frezot (1953, 1959). Nesta concepção, o jogo é lido na sua acepção essencial como uma “relação de forças”, em que a sua expressão principal está na oposição entre o ataque e a defesa de cada uma das equipas. Ao longo da evolução do jogo nem sempre esta relação esteve equilibrada e foi mesmo a procura do seu equilíbrio, uma das razões que motivou e motiva contínuas alterações às regras do jogo. Nesta etapa caracterizada por Olivera de inferioridade ofensiva, o surgimento da defesa à zona é grandemente responsável, perante as debilidades técnicas ofensivas que as equipas demonstravam ao defrontar tal inovação defensiva. Na terceira etapa (1946-1959), “O ataque supera a defesa”. Muitas novidades técnicas (no lançamento, por exemplo, que vai dos lançamentos de peito aos lançamentos rectificados, passando pelos lançamentos com uma mão, em salto e em suspensão) assim como tácticas (a sistematização do contra-ataque, o “shuffle” já referido e inventado em 1955 por Bruce Drake na Universidade de Oklahoma) contribuem para esse feito.

A quarta etapa acontece entre 1960 e 1976, sendo que “a Defesa supera o ataque” novamente”. Esta superação defensiva surge devido a um grande investimento nesta fase do jogo pelos treinadores e que alia inovações organizacionais, tais como, zonas combinadas (nos jogos olímpicos de Tóquio), defesas alternativas (Dean Smith em 1972), e uma preparação física muito intensa (John Wooden, nos anos 60, o que torna possível grandes pressões defensivas em todo o campo). Por último, de 1977 para cá, o nosso autor citado refere-se a um “Equilíbrio entre ataque e defesa”, com a sistematização do jogo com regras (o jogo livre, esclarecido ou por princípios já mencionado anteriormente), o jogo contínuo em que todas as fases do jogo são trabalhadas e o aperfeiçoamento do 1vs1 que se converte na estrutura básica do ataque. Em 1984 aparece uma inovação extremamente importante, o lançamento de três pontos, que permite a amplificação do espaço de jogo ofensivo e distribui – a necessidade obriga - de forma mais equilibrada a pressão defensiva pelo jogo interior e exterior. Em 1992, data a realização das olimpíadas de Barcelona onde uma equipa de profissionais norte-americanos – o Dream Team I – pela primeira vez participa nestes jogos e exprime uma superioridade incontestada sobre todos os contendores. Olivera prevê a tendência futura para um jogador “polivalente e especialista”. Essa tendência a concretizar-se, - o que podemos desde já dizer que é já uma verdade dos dias de hoje pois vemos os jogadores especializados a assumirem cada vez mais tarefas de postos pelo menos contíguos, - permitirá ao jogo de equipa uma mais plena continuidade, mobilidade, versatilidade, rapidez, criatividade e fantasia.

Com toda a certeza podemos expressar a convicção de que a luta entre o ataque e a defesa e a procura de dominação de um sobre o outro é um dos motores principais, se não o principal, da evolução do jogo. Tem sido assim ao longo da história do jogo. Continuará a sê-lo. Nesta luta vários factores de condimentação são lançados em jogo. Modificações das regras ocorrem intencionalmente, a cargo dos legisladores,  quando verificam que o desequilíbrio está demasiadamente a pesar para um dos dois lados. Foi o caso da regra dos apoios, no arranque em drible, ou na regra que condicionava ou proibiu o drible em momentos pretéritos da história do jogo. Por seu lado, inovações técnicas e tácticas ou novas formas de preparação e treino físico, teórico e mental, com investimentos diferenciados em momento diferentes fizeram com que se invertesse a correlação de forças existente. O Basquetebol é um mundo cultural onde as inovações são rapidamente copiadas, pois em grande parte, são expostas no terreno de jogo. É interessante ver como algumas técnicas que na altura do seu aparecimento eram consideradas monopólio de indivíduos sobredotados, são actualmente património concreto e generalizado dos jogadores, mesmo os mais jovens (caso das variações mais difíceis da técnica de drible).

Quadro 1: Evolução táctica do Basquetebol

tabela

A evolução táctica ocorrida nas últimas décadas é algo que está para além deste nosso ensaio. Gostaríamos de remeter o leitor para um excelente estudo de Mário Gomes, aqui no Planeta Basket, onde ele faz uma análise sobre “As tendências do jogo e o basquetebol português”.

Em próximas oportunidades iremos abordar algumas tendências de futuro, formuladas por Teodorescu na década de oitenta do século XX;  quais as concepções de base que estavam subjacentes às fases pelas quais passou a evolução táctica do basquetebol; e aprofundar a interrelação da táctica com outros factores da performance.

Bernard, M. (1962). Une interprétation dialectique de la dynamique de l'équipe. Revue EPS, 62, 7-11.
Bosc, G., & Poulain, T. (1996). Baloncesto. De la escuela... a las asociaciones deportivas. Lérida: Editorial Deportiva Agonos.
Frezot, E. (1953). La conception nouvelle de l'entrainement en Basket-ball. Revue EPS, 15, 22-23.
Frezot, E. (1959). Basket-ball: les nouvelles règles. Revue EPS, 43, 44-46.
Herr, L. (1980). Le basket-ball. évolution - technique - pédagogie (7.ª ed.). Paris: Editions Bornemann.
Legrand, J. (2005). Basket-ball: enseigner à partir de l'évolution historique du jeu. In J.-M. Legras (Ed.), Vers une technologie culturelle des APSA (pp. 203-229). Paris: Vigot.
Mérand, R. (1989). La rénovation des contenus d'enseignement: Jeux sportifs collectifs aux collège. Révue Française de Pédagogie, 89, 11-14.
Olivera Betrán, J. (1984). 1250 ejercícios y juegos en baloncesto. (Bases teóricas y metodológicas. La iniciación). Barcelona: Editorial Paidotribo.
Smith, D. (1981). Basketball. Multiple offense and defense. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, Inc.
Wooden, J., & Nater, S. (2006). John Wooden's UCLA Offense. Champaign, IL: Human Kinetics.

 

 


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