O coordenador iniciou a contagem decrescente para o início simultâneo dos jogos nos diversos campos: 10…9…8… A cena é em tudo semelhante à que se repete centenas de vezes nas escolas portuguesas no âmbito do Compal Air.
Campos de basquetebol com 1 único cesto, equipas de 3 jogadores e 1 suplente, 1 árbitro por campo. Mas neste caso há algo de diferente. A temperatura e a humidade do ar são características de clima tropical, e a cena desenrola-se ao ar livre numa zona de estacionamento do Parque da Cidadela. Enquanto esperam pelo início, jogadoras e jogadores fazem bambolear o corpo ao som da música. A contagem chega ao zero, os árbitros lançam a “bola ao ar” e a dança é substituída pelos movimentos de jogo.
A Supertaça Compal, que decorreu no passado fim-de-semana em Luanda não se restringiu à competição entre os vencedores do Campeonato e Taça, de Portugal e de Angola. A organização fez deslocar para Luanda o equipamento e os meios humanos necessários para a realização de um torneio de 3x3 no período da manhã dos três dias em que a competição se disputou. A cooperação das três entidades envolvidas, Federações Portuguesa e Angolana de Basquetebol e patrocinador Compal, permitiu concretizar uma iniciativa que pretende estimular na juventude angolana a prática da modalidade na versão 3x3, e lançar as bases de um projecto de basquetebol nas escolas, na linha do Compal Air.
Equipas masculinas e femininas de vários escalões etários exibem diferentes níveis de conhecimento do jogo, mas nos mais velhos são já bem visíveis a capacidade de salto e de explosão, a espontaneidade e o repentismo que caracterizam o basquetebol angolano, e que já levaram a selecção principal angolana em Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais, a surpreender selecções de cotação superior. O jogo é rápido e físico, com muito contacto e constante ataque ao cesto, criando as condições para situações de conflito entre jogadores e tornando mais difícil o controlo das emoções. Ao fim de poucos minutos fica claro que o comportamento dos jovens de Luanda não difere neste aspecto do que se observa em qualquer outro lugar onde se pratica basquetebol. Lá está presente a prática de ajudar a levantar do chão o colega de equipa ou adversário, a saudação por toque das mãos e a palmadinha no adversário a seguir ao “baixar da cancela”.
Cultura é o conjunto dos padrões de comportamento que caracterizam um grupo social. A sociedade angolana tem a sua cultura própria, diferente de qualquer país europeu do Sul, e mais diferente ainda de europeus do Norte, asiáticos ou norte-americanos. E no entanto há traços comportamentais comuns a jovens que praticam basquetebol em Luanda, Lisboa, Riga ou Los Angeles, o que significa que o basquetebol tem uma cultura própria que se cruza com a diversidade cultural das sociedades onde é praticado. Os comportamentos dos jovens no 3x3 da Cidadela resultam da influência que recebem de homens como Miguel Lutonda e outros ídolos do basquetebol angolano, os quais por sua vez influenciaram e foram influenciados por jogadores, treinadores, árbitros e outros agentes desportivos de todo o mundo. A cultura própria do basquetebol desenvolve-se num quadro definido pelo próprio jogo e pelas suas regras, as quais estimulam comportamentos de respeito pelos adversários e outros agentes, e penalizam atitudes violentas e desrespeitosas com efeito imediato no mesmo jogo em que são cometidas. Sobre esta base, os comportamentos propagam-se e tornam-se hábitos enraizados pelo efeito de seguir e repetir os exemplos dos líderes de opinião. O encontro do último dia entre 1º de Agosto e Benfica, que decidiu o vencedor, teve um elevado nível competitivo. As duas equipas puseram em campo todos os argumentos que possuem, e mantiveram a agressividade defensiva no máximo do princípio ao fim. E no entanto, apesar da intensidade e dureza, nunca faltou o fair-play e o respeito pelos adversários. Pode afirmar-se com segurança que tanto no interior como no exterior do pavilhão da Cidadela, a cultura do basquetebol esteve presente.
