Talvez influenciado pelo facto de me ligar ao basquetebol nos anos 80, recordar bem as fases finais do campeonato da 1ª divisão à época, sempre tive o culto da entrada em campo.
Acho que apesar da bola ainda não ter sido lançada ao ar, a entrada das equipas em campo é uma parte do jogo que “sem o ser, já o é”. Ocorre após a intervenção no balneário, há que mobilizar concentração e disponibilidade para o trabalho a fazer, e por isso, apresentar a equipa ao público, parece-me algo que não deve ser descurado. Tive oportunidade de reviver o culto da entrada em campo nos 15 dias que estive com os Estudiantes. As equipas entrarem formadas, uma de cada vez com os aplausos e apupos da ordem, a equipa da casa a dirigir-se ao meio campo para agradecer ao público presente, gritar em colectivo para iniciar o aquecimento, foi algo que tive oportunidade de voltar a ver, tal como me recordo dos jogos que via enquanto miúdo há cerca de 30 anos atrás. Confirmei que vale a pena manter o culto da entrada em campo, porque faz parte da magia que o jogo de basquetebol tem que ter.
Claro que os tempos são outros, mobilizar colectivamente as massas não é uma tarefa fácil. Em termos do basquetebol de rendimento é fundamental que se ganhe, para que as pessoas se mobilizem e apareçam sempre cada vez mais e mais motivadas. E apareçam mesmo antes do jogo começar. Mas parece-me possível fazermos colectivamente algo mais para que se possa ter pavilhões mais compostos. Em primeiro lugar, julgo ser fundamental termos a ideia de que é importante que o basquetebol chegue perto das pessoas, mais do que ficarmos à espera que estas venham seu encontro. Todos sabemos que sem o basquetebol se mostrar suficientemente atractivo, os espectadores não aparecerão. Actualmente, a cultura desportiva vigente está muito mais relacionada com o conforto do sofá, do que com o esforço por ir a um pavilhão pelo prazer do espectáculo desportivo. Mas unir esforços no sentido de que os pavilhões possam ter mais espectadores, seria determinante para o nosso basquetebol crescer. Para isso a pessoa anónima tem que se interessar pelo jogo, tem de conhecê-lo e conhecer os jogadores, tem de sentir que o basquetebol está perto de si, – nas escolas, nos hospitais, nos lares de 3ª idade, nas prisões, nos centros de combate à tóxico-depêndencia, nos centros comerciais, nos locais de trabalho, na família –, enfim nos contextos por onde todos vamos passando.
Pode parecer utópico pensar assim. Isto implicaria com toda a certeza uma mudança cultural na forma como se percebe a actividade desportiva, o basquetebol em particular, que não se opera num “esfregar de olhos”. E é verdade, é de uma mudança cultural que se está a falar, em que só é possível ver resultados lentamente e ao longo de gerações. Infelizmente não se vêem amanhã. Mas para que isso fosse possível na nossa realidade, seria imperioso criar compromissos colectivos para de forma sólida e descomprometida de um resultado imediato se reunissem condições para:
Que os jogos tivessem qualidade, bons intérpretes, emoção e que resultassem sobretudo num momento de agrado para quem os assiste;
Que os recintos proporcionassem condições básicas de comodidade; não têm que acomodar 10 000 pessoas; mas para as centenas que na nossa realidade possam receber pelo menos que não as sujeite ao frio;
Que os jogos fossem publicitados pelos clubes com operações agressivas de marketing com o objectivo de divulgar e levar espectadores aos jogos, não esquecendo as escolas, o melhor contexto para se operar mudança de mentalidades – este teria necessariamente de ser um objectivo comum e partilhado por todos os clubes;
Que os jogadores sejam conhecidos e os melhores sejam claramente destacados – temos que encontrar “estrelas”, novas referências para o basquetebol português que ao mesmo tempo sejam socialmente reconhecidas do ponto de vista desportivo. A Ticha representa isso no basquetebol feminino, mas temos que urgentemente criar referências no âmbito do masculino;
Que os jogos passem mais vezes na televisão – seria desejável que o jogo da jornada tivesse obrigatoriamente TV; seria importante que existisse um magazine que passasse um resumo da jornada com imagens dos outros jogos, com imagens de pavilhões diferentes e de vários jogadores;
Que os jornais fossem “pressionados” a destacarem mais basquetebol português, nem que seja pela sua dimensão mais “cor-de-rosa”. Se os jornais não se interessarem, que se possa pensar em suplementos ou outras formas de chegar ao jornalismo regional e nacional.
Alguns lerão estes pontos e pensarão: “isso era bonito se o basquetebol fosse profissional? Quanto é que custa tudo isto?”. Nestas ocasiões, os argumentos que animam a minha resposta são simples: primeiro, mesmo que basquetebol não seja profissional, acredito que os responsáveis pelo desenvolvimento da modalidade devem ser capazes de criar compromissos colectivos para que pequenas coisas se alterem ao longo do tempo; segundo, estou ciente que tudo o que atrás está listado tem custos financeiros, administrativos, humanos e patrimoniais. Mas também sei que o não fazer tem igualmente custos. A prazo, o não fazer pode ter custos bastante mais avultados do que aqueles que haveriam se se fizesse algo; terceiro, nem tudo tem que ser feito ao mesmo tempo, podem e devem ser dados pequenos “passos” que ao longo do tempo possam, todos juntos, formar uma grande “passada”.
Tive oportunidade de ver um pouco de tudo isto no basquetebol ACB. Obviamente não deve ter acontecido por acaso, nem ao mesmo tempo no basquetebol espanhol. Acredito que tenha sido um processo pensado, planeado na forma como ao longo do tempo se pretendia aqui chegar. Onde estive sente-se a cultura do jogo, um carinho especial que o espectador sente pelo basquetebol, que não o impede de se manifestar aplaudindo ou apupando (também de forma efusiva) jogadores, treinadores ou árbitros. Os pavilhões até nem pareciam cheios. Acho que até estavam “meia-casa”. O speaker informava e dava algumas orientações para que quem eventualmente não conhecesse o jogo poder ficar melhor enquadrado. As meninas não paravam de dançar nos tempos mortos dos jogos e não havia interrupção sem animação ou concurso. No final, quando o jogo acabava, percebia-se um mar de gente nas ruas, pelo menos para mim, que só vejo basquetebol aqui para as nossas bandas. Os jogos a que assisti tiveram a assistência que deixo abaixo. Reforço os pavilhões não estavam cheios. Mas quem conhece a Caja Magica, o Palácio Vista Alegre ou o Palácio de Deportes, concordará certamente que é mesmo necessário muita gente para encher qualquer um destes recintos.
Polideportivo Fernando Martin, Basket Fuenlabrada-Bancos de Rueda Valladolid, jorn. 16 ACB – 5 574 espectadores, 110% da capacidade total do pavilhão (5 100 espectadores)
Palácio de Deportes, Estudiantes - Assignia Manresa, jorn. 17 ACB – 7000 espectadores, 39% da capacidade total do pavilhão (18 000 espectadores)
Caja Mágica, Real Madrid-Basket Fuenlabrada, jorn. 17 ACB – 5 579 espectadores, 45%da capacidade total (12 442 espectadores)
Caja Mágica, Real Madrid-Estudiantes, jorn. 18 – 8 034 espectadores, 65% da capacidade total (12 442 espectadores)
Palácio Vista Alegre, Estudiantes-Nymburg, jorn. 1 da 2ª fase da Eurocup – 2000 espectadores, 13% da capacidade total (15 000 espectadores)
Caja Mágica, Real Madrid-Partizan, jorn. 1 da 2ª fase da Euroliga – 5097 espectadores, 41% da capacidade total (12 442 espectadores)
(Nota: o número de espectadores foi retirado das estatísticas oficiais dos respectivos jogos em http://www.acb.com; http://www.eurocupbasketball.com; http://www.euroleague.net; a capacidade total dos recintos desportivos citados pode ser consultada em http://es.wikipedia.org./wiki/Caja_Magica; http://es.wikipedia.org./wiki/Palacio_de_Deportes_de_la_Comunidad _de_Madrid; http://es.wikipedia.org./wiki/Palacio_de_Vistalegre; http://es.wikipedia.org./wiki/Polideportivo_Fernando_Martin)
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