Hoje vou expressar algumas ideias sobre este tema que gostava de ver debatido pelos colegas treinadores e também por jogadores ou outros intervenientes no jogo.
É preciso dizer que me refiro ao aquecimento para equipas e jogadores que já ultrapassaram a fase de iniciação à modalidade.
Apesar de ser professor de Educação Física e, portanto, não poder esquecer os aspetos que a ciência do treino desportivo já nos trouxe sobre o aquecimento e em relação aos quais me tento manter atualizado, coloco em grande parte aqui a minha sensibilidade sobre o aquecimento como prática que visa certos fins pensados e sentidos.
O material escrito que ainda agora me serve de base de pensamento foi o que Leon Teodorescu escreveu sobre o assunto no seu livro editado em Portugal (Teodorescu, 1984). Relembro, ou menciono para quem não conhece, que Teodorescu faz um uso precioso e incisivo do conceito de modelação em todos os aspetos do jogo. Daí que, se o “aquecimento” – vulgar designação da preparação imediatamente anterior ao jogo – visa preparar os jogadores e as equipas para o jogo, tem de abordar todos os aspectos de que o jogo necessita para ser devidamente jogado. Assim, embora não se possa ou deva partir o aquecimento em bocados, há um aquecimento físico/fisiológico, um aquecimento técnico/táctico e um aquecimento psicológico, isto para falar das quatro valências mais mencionadas da preparação desportiva e que encontram o seu correlato no aquecimento.
Penso que se deve definir o aquecimento pré-jogo como a preparação efetuada imediatamente antes do jogo para que os jogadores e as equipas, desde o início do mesmo rendam no seu máximo e para que, na medida do possível, certos problemas – como alguns tipos de lesões – vejam muito reduzida a sua probabilidade de ocorrência. Daí que me pareça desde logo que vários são os conteúdos que devem fazer parte do dito aquecimento. Se os conteúdos físicos e técnicos são tradicionalmente usados, parece-me que é ao nível do aquecimento tático e psicológico que se encontram os maiores défices nos aquecimentos reais das equipas. Voltarei mais tarde a esta questão.
Como princípios mais importantes para o aquecimento eu destaco os seguintes: o princípio da progressividade; o princípio da globalidade seguido do princípio da especificidade. Estes dois princípios usam-se em sequência.
Considero que é inteligente usar-se uma sequência dos seguintes conteúdos: uma palestra inicial, não demasiadamente longa e que é o corolário daquilo que foi trabalhado anteriormente e especialmente na semana de preparação para o jogo. Esta palestra serve em grande parte de preparação mental e psicológica para o jogo. Nela relembram-se os aspectos essenciais do plano de jogo no que concerne à equipa.
Logo de seguida e passando-se ao aquecimento corporal propriamente dito, considero interessante proceder-se a um aquecimento articular que ajude à “lubrificação” das articulações, logo seguido de corridas ligeiras e variadas, progressivamente mais intensas. Com estes primeiros conteúdos o corpo mobilizado aquece realmente, o sistema cardiocirculatório adapta-se, e as massas musculares conseguem um real afluxo sanguíneo que as prepara para os ulteriores movimentos mais intensos. No fim das corridas, pequenos sprints não máximos. De seguida sugiro que se proceda à mobilização das várias partes do corpo através de exercícios de ginástica geral alternados com alongamentos de curta duração (cerca de 9 a 10 segundos). Baseio-me, na questão dos alongamentos pré-jogo, nas ideias do francês Gilles Cometti que apresenta muitas reservas quanto ao uso de alongamentos de longa duração nos aquecimentos. Esta parte do aquecimento pode ser efetuada fora do campo de jogo se for necessário. (Quero aqui fazer referência aao autor já referido, Gilles Cometti que apresenta propostas bem diferentes, e bem fundamentadas, destas que eu aqui apresento. Ver o P.S. no fim deste texto).
De seguida acho interessante o uso das tradicionais rodas técnicas de lançamentos na passada e outros tipos de execução técnica individual e coletiva onde são abordadas todas as técnicas habitualmente utilizadas no jogo: cortes, passes, trabalho de pés, vários tipos de lançamentos, dribles. Considero muito útil utilizar o princípio da variabilidade e da diversificação, entendendo por isso, usar variados movimentos, cada vez mais perto do ritmo de jogo normal.
A seguir a esta parte mais técnica penso que deverá haver uma parte a que chamo mais tática, em que os jogadores, por posições, experimentam individualmente e por grupos reduzidos, em vagas, certas movimentações/conceitos táticos ofensivos e defensivos próprios do jogo. Neste último âmbito, considero útil algum tipo de organização do aquecimento que permita na parte final do aquecimento alguma competição interna e que predisponha os jogadores para o ritmo de jogo que se presta a iniciar.
Não desminto, bem pelo contrário, a utilidade que têm as rotinas de lançamentos livres e outras pequenas atividades que as equipas de basquetebol utilizam e que servem para preparar para ações específicas do jogo e para concentrar cada um dos jogadores no jogo que se apresta a começar.
Aspectos a individualizar: assim como as equipas estabelecem as posições e funções em campo de cada jogador também poderá haver alguma individualização de certos procedimentos de aquecimento, designadamente os físicos.
Antes de começar o jogo, o(s) treinador(es) relembra algum pormenor de modo a que todos estejam prontos a dar o seu máximo desde o início do jogo.
A duração mínima da parte do aquecimento (com movimento) andará na ordem mínima dos 30 minutos embora dependa do nível das equipas, sendo que durará mais nas equipas mais evoluídas.
Por fim gostava de acabar como comecei: lançando um repto aos leitores para que me dissessem como fazem ou acham que o aquecimento pré-jogo deve ser, quais os conteúdos e sequenciação utilizadas e os porquês dessas opções.
P.S. Gilles Cometti, um autor de que falei no texto e falecido há poucos anos, vinha propondo nos seus livros (Cometti, 2002) e artigos, “receitas” bastante diferentes das tradicionais ao nível da preparação física. O mesmo acontece para o aquecimento em que as propostas que ele faz são bastante diferentes das que se vêm nos campos de basquetebol. Para que possam saber qual a fundamentação usada por este autor remeto-os para um artigo na net:
http://expertise-performance.u-bourgogne.fr/pdf/Echauffement.pdf
Aliás, no mesmo site onde existe este artigo existem muitas outras referências a utilizar. Só na parte do site falada em francês existem artigos à disposição do leitor:
http://expertise-performance.u-bourgogne.fr/
Um dos artigos lá existentes lança um olhar muito crítico e fundamentado sobre certas práticas tradicionais da prática da preparação física no basquetebol, cujo títuulo em português é, “Parem o suicídio”:
http://expertise-performance.u-bourgogne.fr/pdf/Basket.pdf
Vale a pena ler.
Cometti, G. (2002). La preparación física en el baloncesto. Barcelona: Editorial Paidotribo.
Teodorescu, L. (1984). Problemas de teoria e metodologia nos jogos desportivos. Lisboa: Livros Horizonte.
Comentários
espero que aceitem o teu repto e coloquem aqui opiniões e questões pois também considero este tema muito importante e também disciplina curricular na formação dos jogadores e, porque não, dos treinadores.
Como sabes estou de acordo, no fundamental, com o seguimento dos três princípios que citaste. O que queria acrescentar ao teu artigo tem a ver com especificidade mas da nossa realidade. É muito frequente chegarmos a um pavilhão e termos apenas 20 minutos para realizar o aquecimento, por motivos de ordem vária, como também também podemos ter 30 ou 40 minutos. Por isso o que queria acrescentar é que devemos estar sempre preparados para isso essas situações, prevendo esses cenários como possíveis e analisando de acordo com as nossas prioridades onde devemos 'cortar' ou alterar e o que devemos manter. Deixar a situação ao improviso pode ser a diferença entre um bom ou um mau jogo ou até entre um jogo sem problemas e um jogo com lesões.
Abraço