Algumas lições de Naismith
 
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Algumas lições de Naismith

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James NaismithPenso que podemos retirar algumas lições com a vida e a obra de James Naismith, o inventor do nosso jogo de basquetebol que tanto amamos. São verdadeiras lições de vida que podemos reter da forma como Naismith procedeu para criar um jogo novo

e do modo como se relacionou com a ele ao longo dos cerca de quarenta e nove anos em que conviveu ainda com a sua criatura, ele que a tinha inventado com idade de trinta anos.

James Naismith foi um exemplo maior do lema que John Dewey consagrou como o “Aprender fazendo”. Logo depois de ter pensado os cinco princípios de jogo e elaborado e reduzido a escrito as suas treze regras, Naismith deu-as a conhecer aos seus formandos na Escola de formação de quadros de Springfield. E quis que eles imediatamente jogassem. Fez do fazer global do jogo, isto é, fez da prática global do jogo, fez do fazer a forma de aprender uma prática. Pode-se sem margem para dúvidas dizer que ele foi o precursor do método global de aprendizagem do jogo de basquetebol como depois veio a ser cunhado. Foi também o precursor do “aprender jogando” e do seu sucedâneo mais inteligente e desenvolvido, o “aprender jogando, jogando para aprender”. Esta é uma primeira lição que queremos trazer aqui e que consideramos importante, designadamente, porque muitos de nós a esquecemos.

O basquetebol como todos sabemos é um jogo que consegue despertar e mobilizar grandes paixões, tanto em quem joga como em quem assiste à sua prática nos pavilhões de todo o mundo. É uma ferramenta educativa tremenda se bem organizadas as influências pedagógicas com ele relacionadas. Naismith percebeu isso desde o seu início e levava a sua convicção de que o basquetebol tinha um potencial positivo ao ponto de tentar intervir o menos possível no jogo. Na maior parte dos jogos em que participou serviu apenas como árbitro. A conceção pedagógica que tinha do jogo levava-o a pensar que aquilo que poderia fazer de melhor era contribuindo para regular de uma forma imparcial o jogo, fazendo com que os jogadores jogassem, autonomamente, sem a intervenção ativa de um treinador que os orientasse.

James Naismith

Também por isso o seu recorde de vitórias foi negativo perdendo mais jogos do que os que ganhou com as suas equipas e isso, que conste, não o deixou muito preocupado. Uma outra conceção de treino e de competição apareceu depois já com o seu discípulo Forrest “Phog” Allen, que foi considerado o “pai do treino” em basquetebol. A Naismith nunca ninguém tirou a paternidade da criação do jogo mas ele intencionalmente pareceu querer deixar o jogo numa virgindade e numa pureza que se resumisse ao jogo pelo jogo, ao jogo dos jogadores. O papel dele como professor e depois como treinador do jogo parecia resumir-se a deixar que o jogo fluísse naturalmente sem intervenção estranha para além dos seus protagonistas naturais, os jogadores. O professor estava lá como regulador do jogo e pouco mais.

É interessante assinalar que algumas décadas mais tarde, aqui em Portugal, nos anos sessenta, o professor e treinador de basquetebol português José Esteves fazia os seus alunos jogar no liceu sem a presença de árbitro realizando por isso a sua própria auto-arbitragem. Não estaria Esteves nessa estratégia pedagógica inspirado no exemplo educativo de Naismith? E ainda extrapolando do exemplo de Naismith para os tempos contemporâneos não precisará o jogo que os treinadores e os professores saibam dar mais autonomia aos jogadores/alunos. Afinal de contas são os jogadores que jogam, são eles que decidem, são eles que executam. Resumi-los a robot’s teleguiados pela linha lateral já faz tempo que recolheu vastas críticas. Naismith foi um precursor visionário dessa mesma crítica.

Sabemos em traços gerais como Naismith inventou em cerca de quinze dias este jogo. Num outro escrito aqui no Planeta Basket (A invenção do basquetebol*) tivemos a oportunidade de descrever essa invenção de forma mais pormenorizada. Aqui deixámos apenas registados dois aspetos. A criação de uma atividade pedagógica parece-nos carecer, na sua elaboração, sobretudo de dois aspetos a considerar: a intencionalidade e a subjetividade dos autores e atores que quer assegurar, por um lado, e por outro lado, a materialidade que tem de respeitar. Na invenção do jogo Naismith mostrou-nos que foi ao conseguir corresponder a essas duas condições que teve sucesso. E há que sublinhar que outros antes dele tentaram sem sucesso e que ele próprio nos quinze dias de gestação do jogo tentou algumas coisas que não se revelaram bem-sucedidas.

Foi só quando despertou o verdadeiro e persistente interesse dos atores do jogo – os formandos/jogadores – conseguindo em simultâneo respeitar a condição de educabilidade e ludicidade que estava inerente à encomenda que recebera do diretor Luther Gullick do YMCA; foi só quando teve em conta apropriadamente as condições materiais em que se realizava a atividade por causa da inclemência dos invernos em Massachussets, - espaço interior, relativamente pequeno, com pisos duros – que Naismith teve realmente sucesso na invenção de um jogo que haveria de “mudar o mundo”.

Uma outra lição ou ensinamento que podemos retirar da vida e da ligação de Naismith com o seu filhote foi que ele só pretendeu servir e não se servir do que criou. Para além do facto de ter sido professor na YMCA e treinador na Universidade de Kansas e daí, do seu salário, ter retirado o presumível modo de sobrevivência, Naismith sempre se recusou a retirar benefícios do facto de ter inventado o jogo. Nunca se tornou rico, teve a sua casa pelo menos duas vezes hipotecada e se conseguiu ir aos jogos olímpicos de Berlim, em 1936, onde o basquetebol foi estreado como modalidade olímpica oficial, foi só porque o seu discípulo Forrest “Phog” Allen organizou uma coleta e juntou com os treinadores amigos o dinheiro necessário à viagem e estadia de Naismith em Berlim.

De facto não se fica rico só a trabalhar mesmo que muito e quando servimos os outros como primeira preocupação ainda menos ricos ficamos. Ricos de dinheiro - sublinhe-se - pois pensamos que Naismith ficou muito enriquecido em muitos outros aspetos. Ainda agora isto acontece com a esmagadora maioria dos treinadores. Quase que pagam para trabalhar no seu jogo preferido. Mesmo aqueles que não conheceram a história e o exemplo de Naismith estão a seguir a sua peugada.

Naismith disse um dia que “queria deixar o mundo um pouco melhor do que aquilo que tinha encontrado”. Pelo que fez, pelo seu exemplo pessoal e pela invenção deste magnífico jogo que se tornou também num desporto globalizado praticado atualmente por centenas de milhões de pessoas em todo o mundo pode dizer-se que para além de deixar o mundo melhor logo após a sua morte deixou também cá, para os vindouros, uma semente que se multiplicou enormemente e foi responsável por que o mundo se tornasse bem melhor.

Saibamos cada um de nós respeitar esse legado e em relação ao basquetebol não mancharmos com a nossa prática o basquetebol que produzimos, transmitindo pelo contrário a todos os que vivem este jogo através dos nossos ensinamentos um legado de progresso e felicidade.

*“A invenção do basquetebol” escrito em 03/11/201

 

 


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