No Desporto é natural que possamos, por vezes, equivocar-nos. Com o entusiasmo de se querer ver obra feita, de se ambicionar um resultado qualquer ou até mesmo de sentir o reconhecimento merecido, atrevemo-nos a pensar sempre no atleta, independentemente da sua idade.
Neste sentido, será a Criança um Atleta? De que realidade estaremos a falar se considerarmos um Atleta alguém cuja sua idade se situa entre os 5 e os 12 anos?
Num desenho de projeto desportivo, tendemos a considerar a criança um potencial atleta. O que é legítimo se pensarmos que, no futuro, todo o trabalho desenvolvido criará bases sólidas para que a iniciação desportiva seja harmoniosamente bem sucedida e consequentemente a especialização possa trazer à tona uma relação óptima de trabalho e talento. Todavia, parece haver evidências de que nem todas as crianças serão atletas, o que nos conduz à ideia de que muitas crianças passam por vivências psicomotoras associadas a contextos que visam a continuidade da prática, preferencialmente até à idade adulta, mas que interrompem por diversos motivos, ou até mudam de modalidade desportiva.
Estudar a palavra criança pode-nos ajudar a consolidar alguns conceitos que nos guiem, enquanto treinadores agentes de ensino. A palavra criança tem um sufixo muito interessante – ança – que podemos encontrar noutras palavras, tais como: festança, confiança e esperança. Se transportarmos esta analogia para o contexto da atividade motora da criança, mesmo que em contexto de clube desportivo, podemos definir três princípios fortes de intervenção do treinador:
- Proporcionar divertimento, não com a ideia pura de festa, mas proporcionando situações de aprendizagem, desafiantes, emocionantes, divertidas, onde a natureza da criança a leva à entrega e envolvimento na tarefa;
- Atuar de forma a que as crianças confiem no treinador, através do seu exemplo e conduta em todos os momentos, do conhecimento que expressa quando instrui, dirige e corrige, e da segurança que transmite quando elogia e valoriza as aprendizagens;
- Manter na criança o entusiasmo e esperança de que a próxima sessão será diferente, ou regresse à atividade que tanto gerou encanto e empenho na sessão anterior.
Olhando novamente para a palavra Criança, conseguimos obter, do prefixo cria, o verbo criar, conduzindo-nos à criatividade. O que nos faz acreditar que dirigir atividade desportiva com crianças é ser-se facilitador do desenvolvimento da criatividade e não da imposição de modelos estereotipados de treino. Sendo um período crítico e exponencial para o desenvolvimento neurológico é por isso igualmente crítico para o desenvolvimento das capacidades coordenativas.
Nesse sentido, o Minibasquete, estando atento aos aspetos individuais de cada criança, ao meio onde vivem, ao seu passado psicomotor, é uma atividade rica no vasto número de situações de aprendizagem que pode proporcionar. E servindo-se de ações motoras do basquetebol proporciona o desenvolvimento de capacidades tais como: lateralidade, equilíbrio, orientação espacial, diferenciação quinestésica, ritmo, ligação, coordenação óculo-manual, etc. No fundo capacidades que queremos que no futuro contribuam para potenciar capacidades condicionais, para facilitar aquisição de capacidades táticas individuais e coletivas específicas do basquetebol.
Na recente intervenção do Toni Carrillo, numa iniciativa da Federção Portuguesa de Basquetebol/ Escola Nacional de Basquetebol, duas ideias retive:
- A primeira ideia na medida em que percebi claramente como foi aplicado o modelo de desenvolvimento desportivo na Eslovénia. Percebendo que a especialização precoce não é uma opção, mas sim proporcionar inúmeros estímulos, recorrendo à riqueza das ações motoras das várias modalidades desportivas, encontrando pontos em comum. Perceber que Luca Doncic, para além de ser um dos melhores basquetebolistas da actualidade foi igualmente um judoca com talento, é perceber que o que lhe foi proporcionado em criança despertou características muito particulares, transversais a várias modalidades desportivas, que têm na sua base ações motoras transferíveis.
- A segunda ideia é a de que o maior erro que poderemos cometer enquanto treinadores de minibasquete é o de tentar ensinar um só minibasquete, a partir de uma só ideia de minibasquete, em detrimento de olhar para a realidade do nosso país e pensarmos, provavelmente com Utopia, que temos vários tipos de Minibasquete. Um Minibasquete que claramente conduzirá à fidelização ao Basquetebol (pelo historial e estrutura organizativa dos clubes) e outro, por exemplo, que possibilite a crianças com poucas possibilidades e ofertas de prática psicomotora e desportiva, conhecer, aprender e quiçá contribuir para que se reúnam esforços para que o basquetebol possa surgir; não esquecendo cenários onde simplesmente a presença de uma bola, cordas, elásticos, espaço e um responsável técnico capacitado, serão facilitadores de fomento da prática de atividade psicomotora que vá ao encontro daquilo que são as necessidades daquelas crianças em particular. Pelo que teremos de nos preparar para diferentes cenários de aprendizagem em função daquilo que a criança pede, como muito bem fazemos quando solicitamos ao praticante, em jogo, para que, com bola, a proteja e veja o que o jogo está pedir.
Será que é uma utopia inatingível pensarmos naquilo que o Minibasquete em Portugal está a pedir? Será que é uma Utopia tão inatingível estarmos atentos aquilo que está a ser feito, isoladamente por pessoas, treinadores que estão a ver o que é o seu contexto está a pedir que façam através do Minibasquete?
Comentários
Antes de mais felicitar te pelo artigo.
Realmente temos a ideia de atletas de Minibasquete, quando devíamos pensar em crianças que pretendem aderir à prática desportiva utilizando o Minibasquete para tal. A nossa responsabilidad e primeira é proporcionar tudo aquilo que a prática desportiva oferece, com o foco no desenvolvimento integral da criança. Se depois ela decidir especializar-se no basquete melhor, senão que tenha condições para se especializar com sucesso noutra modalidade ou para a prática desportiva informal.
Quando escreves, “ que teremos de nos preparar para diferentes cenários de aprendizagem em função daquilo que a criança pede” fizeste-me lembrar o Josep Bordas, quando me disse que os mentores do processo de aprendizagem não devemos ser nós, os mentores devem ser as crianças, a nós cabe-nos o papel de saber interpretar e dar respostas às suas motivações, necessidades e interesses.
Uma cotovelada que agora não se pode dar abraços
Caro João
Deliciei-me a ler a clareza do teu artigo: A criança ou o atleta.Ao ler este brilhante texto, vieram-me à memória dois treinadores espanhóis com quem tive o privilégio de conversar e trocar ideias e experiências.
Quando falas em e cito “ser-se facilitador do desenvolvimento da criatividade e não da imposição de modelos estereotipados de treino” lembrei-me das palavras do José Maria Silva, prelector no 1º Clinic Internacional de Minibásquete do Imortal, quando referindo-se a alguns treinadores afirmou “ estão mais preocupados em adestrar crianças, que em desenvolver a sua inteligência e capacidade de decisão.