Muito devo ao basket!
 
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Muito devo ao basket!

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Muito devo ao basket!Há pessoas que vivem do basquetebol e não vejo nenhum problema nisso, sejam elas competentes e contribuam para o engrandecimento da modalidade, mas falemos claro, a grande maioria dos apaixonados pela modalidade, não vive do basquetebol, mas vive para o basquetebol.

Saber enquadrar, acarinhar todo esse universo de voluntários que muitas vezes em prejuízo da vida familiar muito dão ao basquetebol é decisivo para o crescimento e desenvolvimento da modalidade. Dar voz a quem há tantos anos consecutivamente luta para manter vivo o basquetebol no interior do país é um dos objetivos das entrevistas do Planeta Basket, motivo pelo qual quisemos falar com o Prof. Luís Francisco.


1. Luís Francisco não és propriamente um desconhecido no universo do basquetebol, no entanto, gostaríamos de saber como começou a tua enorme paixão pela modalidade?
Comecei no Sport Conimbricense, clube da baixa da cidade e na altura uma das zonas onde viviam as famílias com menos posses. O clube foi criado para ter essa função social de tirar as crianças da rua, oferecendo a prática de várias modalidades desportivas. A família era muito exigente com a escola e obrigava a prática de um desporto. Experimentei todas sem sucesso e acabei no basquete, onde fui um praticante com mais gosto do que jeito!

2. Sabemos que o teu gosto pelo jogo é enorme, mas que deixaste cedo de jogar. Quem foram os treinadores que mais te marcaram e em que momento é que decidiste ser de treinador?
Os treinadores na altura eram reconhecidos pelos nossos pais como os “mestres”. Recordo de um episódio de um colega que tinha faltado à Escola e o prof. Alfredo Robalo deu-lhe um “corretivo” (uns puxões de orelhas, mesmo). “Que nunca mais se repita”. O que o treinador tinha enorme importância social. Recordo com muita saudade o Prof. Alberto Martins. Uma lenda, professor primário e reconhecido no país com os textos no jornal A Bola como o “teórico”! Como a minha habilidade era pouca, depressa percebi que não conseguiria jogar em sénior, mas gostava tanto que a única forma de ficar ligado à modalidade era oferecer-me como treinador. O Luís Almeida deu-me a possibilidade de começar. O meu gosto por aprender era tanto que me oferecia todos os anos para ser adjunto dos melhores. Aprendi imenso e a eles devo: Amoroso Lopes, António Pereira, Carlos Eduardo Gonçalves, Adriano Baganha entre outros.

3. Depois desta apresentação entremos em assuntos mais delicados ou polémicos. Recentemente entrevistei Alcino Gonçalves que falava do inexplicável divórcio entre o desporto escolar e o desporto federado. Sabemos que recentemente foste uma vítima desse divórcio. Queres nos transmitir um pouco da tua experiência nestes dois universos e falar sobre o que aconteceu?
Não há Desporto Escolar ou Federado. Há DESPORTO! As competições podem ser escaladas ou federadas. Na verdade, temos é dirigentes do Desporto Escolar e do Federado. Quando juntamos o positivo de ambas as estruturas, temos bons exemplos: GDESSA, Alves Redol, Alberta Menéres…

Na verdade, o Desporto Escolar e Federado são como 2 atletas da mesma equipa: um deles, filho de pai rico. Acha que não precisa de se esforçar muito, afinal o pavilhão até é do pai. O outro, pobre (federado), treina todas as horas que pode e afincadamente, pois terá de se esforçar muito para garantir a vitória. Quando ganham, ambos sentem a vitória como sua!

Quando só o “pobre” (federado) joga e ganha partilha a vitória com o amigo, o “rico” (escolar) dá uma entrevista com uma medalha que colocou ao peito, clamando a sua importância. Só se discute a dicotomia Escolar-Federado quando um “alto dirigente” do funcionalismo público quer impor as suas regras. Fui afastado do desporto escolar da minha escola após 30 anos de dedicação (sou professor de Geografia). O motivo invocado teve a ver com a presença de pais a assistir aos treinos, de atletas seniores a ajudar e de alunos da universidade de Évora do curso de desporto a participar/aprender. Estas “anormalidades ocorreram durante décadas. Sou, pois, culpado! Mas os que agora esperam à porta da escola pelo fim do treino são os que trabalharam como pedreiros nas férias para balneários novos…na escola.

São os que conseguiram que esta tivesse um piso de madeira do melhor no mercado, um painel eletrónico na parede único no Alentejo. Os pais das crianças apresentaram uma candidatura ao IPDJ para modernizar as instalações numa obra orçada em 50.000 euros. Congregando vontades e com pais e alguns professores a trabalharem como pedreiros 12 horas diárias durante o mês de agosto, a cidade ganhou um pavilhão com um piso de topo, balneários novos e um ecrã gigante. Na última década a Escola contribuiu com a mudança das lâmpadas! Por defender este modelo de unir esforços e ter tido SEMPRE o apoio da Câmara, Junta de Freguesia, Universidade e pais de atletas, a Escola optou (legítimo) por me afastar, seguindo o modelo contrário!

Aqui sim, surge a discussão: Escolar Federado. Mas na minha opinião, surge mal! Muitas Direções de Escolas, que de desporto pouco entendem, têm poder de decisão. A instituição considera a criança como seu aluno, de segunda a sexta-feira das 08:00 às 18:30 e um estranho a partir dessa hora. Para os dirigentes escolares a criança passa a ser “um federado” a partir dessa hora! Nada mais ERRADO! Continua a ser a mesma criança/jovem! Entre junho e setembro o “espaço sagrado” não pode ser ocupado por estranhos (as crianças) pois não há aulas nesses meses!

As crianças, jovens e jovens adultos da cidade de Évora ganharam imenso nos últimos anos. Os alunos têm instalações modernas, as seleções nacionais treinam regularmente no pavilhão André de Resende, há jogos de várias modalidades e contra equipas oriundas de todos os lugares do país. Todos elogiam as condições do pavilhão. Na André de Resende, minibasquete começa a treinar às 17:30 no horário do desporto escolar. Depois treinam os restantes escalões. Se perguntarmos à criança ou aos pais, eles nem sabem o que é desporto escolar. Os filhos andam no basquetebol e cada vez há mais praticantes!

4. As dificuldades do basquetebol no interior do país não passam apenas pelas divergências entre o desporto escolar e ao desporto federado. Fala-nos um pouco sobre o GDR André Resende, que projetos tem o clube, quantos jovens e equipas movimenta desde o minibásquete aos seniores masculinos e femininos.
O clube nasceu nos anos 80 pela visão de um Diretor da Escola, sendo a treinadora do basket, uma jovem filha do chefe dos funcionários! A ela se deve a que um dos jovens chegasse a ser observado na seleção nacional de sub 14 e outro a ser um excelente treinador na atualidade Manuel Noites no Ferragudo. Atualmente o trabalho no minibasquete é de muita qualidade com dois excelentes professores da Escola, José Roupa e João Padilha, duas atletas sénior, Sofia Meira e Fatumata Baldé que ainda dão formação a jovens da Universidade de Évora. Um jovem treinador-Rui

Pechincha- trouxe uma visão mais ambiciosa ao clube e sem que o tivéssemos pensado ou previsto, subimos à 1ª divisão feminina. Ultrapassámos a centena de atletas e atraímos jovens treinadores como Catarina Moreira, Vasco Rocha, Carolina Seabra e Cristiana Lopes.

5. Voltemos a questões mais pessoais quer como jogador, quer como treinador, quer como adepto, quais foram as tuas maiores tristezas e alegrias?
Tive a felicidade de só ter alegrias no desporto, mesmo quando em três anos consecutivos perdemos três finais de taças nacionais (sub 16,18 e 20). Triste porque perdemos, contente porque estivemos lá! Mas fiquei tão orgulhoso dessa geração de miúdos da André de Resende!

Em Coimbra fui campeão nacional ao ajudar a subir a minha Académica no que seria hoje a liga. Era adjunto e para dizer a verdade o tipo mais ignorante do grupo. Treinador principal, atletas como José Paiva, Tó Quintela, Mário Mexia sabiam muito mais. Eu tinha o cuidado de não dizer muitas asneiras, mas aprender muito com eles.

Quis o destino para que no meu final como treinador tivesse sucesso no feminino, quando durante muitos anos nunca quis treinar este setor e só o fazia porque tinha as minhas filhas e não havia ninguém. Quem diria que me estava destinado ficar marcado para o resto da vida por um conjunto de mulheres, dedicadas, empenhadas, com uma paciência de santo para me aturar e levar o basket feminino do Alentejo à 1ª divisão. Mais uma vez, foi a visão de Rui Pechincha e uma equipa de dirigentes e muito profissionais no empenho que mudaram para sempre o panorama desta modalidade neste sul do país!

6. Como vês o atual momento do basquetebol em geral e da formação em particular a nível do Alentejo e a nível nacional? Tens alguma sugestão que gostarias de dar?
O basquetebol evolui como a sociedade e tudo é diferente. O que motiva os jovens, a capacidade de se comprometerem perante tantas solicitações, tudo tem que ser equacionado. Por muito que se critique o poder autárquico, ainda vão sendo quem está sempre disposto a ajudar. Os pavilhões têm de sair depressa da mão de diretores escolares que os usam como um poder mesquinho. Entre junho e setembro as escolas, nomeadamente os seus espaços desportivos, terão de estar abertos para a comunidade. E não necessariamente apenas para as crianças, pois se os pais tiverem cultura de praticar desporto os filhos também a vão ter. Em Évora o mau exemplo nas Escolas é gritante. Nenhum jovem treina num pavilhão entre 30 de junho e 15 de setembro.

7. Agora vou entrar num universo que me é caro, como tiveste duas filhas que participaram em jamborees, qual é na tua opinião a importância que este evento tem para a divulgação, crescimento e desenvolvimento do minibásquete?
Tenho 3 filhos, mas apenas elas foram a jamborees. A mais velha foi inclusive monitora. Estes eventos foram marcantes nas suas vidas. Na altura porque sonhavam com o dia, hoje porque ainda mantêm amizades feitas nestes encontros. Os Jamborees foram eventos que para além de detetar potenciais talentos, ajudavam a filiar as crianças na modalidade. Nenhuma criança que tivesse participado, desistiria de jogar! Para além disso tinham muito impacto nas localidades onde aconteciam e visibilidade nacional nos media. O seu surgimento foi determinante para que a imagem do minibasquete fosse diferente. Não era só basquete! Eram as vivências, provavelmente a 1ª vez que as crianças dormiam fora de casa, partilhar espaços, passeios. Foi uma viragem que infelizmente se sente a perder o folego. Hoje fala-se em Paços de Ferreira, mas depressa temos de encontrar outro modelo que inove, mantendo as virtudes deste!

8. Da tua experiência que mensagem darias aos jovens treinadores que trabalham no interior do país?
Esta questão não podia vir mais a propósito, pois tem chegado a Évora uma “fornada” de jovens através da Universidade que estão a transformar o panorama basquetebolístico. A todos digo o mesmo: Em Lisboa, Aveiro…tens à porta do pavilhão uma dezena de treinadores (ou não) que acham que sabem mais do que tu e estão a oferecer-se para o teu lugar. Se perderes 3 jogos de minibasquete, despedem-te! Aqui, mesmo que percas os jogos todos…tens que continuar, pois não há ninguém para o teu lugar e estamos muito agradecidos de cá estares! Então o teu sucesso não passa pela vitória ou derrota, mas por teres cada vez mais atletas.

Se ensinares bem, nos dias dos jogos até um pai faz de treinador, mas façamos mais equipas para que a competição os ajude a crescer.

9. Por fim uma pergunta com que gosto de terminar as minhas entrevistas, que pergunta gostarias que te fosse feita e que resposta darias?
A pergunta: Diz-se que gastaste nestes anos o equivalente a comprar um T (qualquer coisa) em Évora. Sentes-te mais pobre? Não! Hoje todas as horas, cêntimos e milhares de kms que fiz ficaram baratos quando olho, não só para os meus filhos e vejo o que o basket fez por eles, mas igualmente para as centenas de amigos que tenho e como os seus filhos foram igualmente felizes! O mais velho é médico nefrologista, a minha filha mais velha é gestora de enorme sucesso e a mais nova está a acabar o curso mas igualmente já se percebeu que seguirá as pegadas da mais velha. Sou um tipo com muita sorte e muito devo ao basket!

 

Comentários 

 
+3 #1 Luis Alberto Francis 07-11-2023 14:42
Foi com um orgulho imenso que recebi o convite do SENHOR Minibasquete e por quem tenho uma admiração profunda: San Payo Araújo. Não me imaginei nunca com esta distinção de poder partilhar algo no site do Planeta Basket. Agradeço do fundo do coração, pois para mim é uma distinção. Ganhei o dia de hoje e estou muito feliz!
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