O que me marca são as pessoas
 
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O que me marca são as pessoas

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Cristina LeiteA importância de treinadores/as experientes é um tema recorrente quando se fala de minibásquete. Há muito que afirmo que no minibásquete é preponderante o papel de treinadoras que anos a fio se dedicam a este universo. Neste âmbito e na Associação de Basquetebol do Porto é obrigatório falarmos de Cristina Leite.

O seu sentido humano fica bem marcado na afirmação: “Mas muito mais do que medalhas, títulos ou prémios individuais, o que verdadeiramente me marca são as centenas de pessoas com quem tive a felicidade de partilhar tantos incríveis momentos …”


1. Para começarmos a entrevista gostaríamos que falasses um pouco de ti, nomeadamente como começou a tua ligação ao basquetebol e principalmente em que momento e que motivos te levaram a querer ser treinadora?
O meu nome é Cristina Leite, tenho 38 anos e sou natural do Porto. A minha ligação ao basquetebol surgiu por acaso… A minha irmã jogava hóquei em patins em Lousada e um dia, porque eu era alta para a idade aos 12 anos, o diretor disse-me que eu devia ir experimentar o basquete que iam abrir no arranque da época seguinte… E assim foi, fui experimentar, e desde aí que levo 26 anos na modalidade, mais de 20 como jogadora, tendo também passado pelo Académico FC, pela Juvemaia ACDC, pelas seleções distritais da ABP (como atleta e depois como treinadora) e pelas seleções nacionais jovens, enquanto atleta. Estou, na atualidade no Guifões, apenas como treinadora. Ser treinadora foi uma coisa muito natural… Logo no primeiro ano, ainda em Lousada, comecei a ajudar nos Minis, a convite do Rui Alves e da Carla Lopes, e desde aí que não deixei mais de o fazer…  Adoro a sensação de poder ajudar alguém a crescer e a ter sucesso, e quando falo em sucesso é muito mais do que desportivo ou o de colocar a bola no cesto ou roubar uma bola. Claro que isso também é importante no plano desportivo, mas penso que o Basquetebol, e o minibasquete em particular, tem de ser muito mais do que isso, tem de ser escola de valores e de vida.

2. Como treinadora gostaria que nos falasses um pouco do teu percurso e quem foram os treinadores que mais te influenciaram no teu trajeto?
O meu percurso passou por estar esse primeiro ano em Lousada onde fui monitora de minibasquete e na época seguinte fui para o Académico FC, onde mantive a minha ligação ao Mini, durante praticamente todos os 12 anos em que lá estive (nos últimos, e depois de ter feito o curso de Nível 1 aos 16 anos, estive também ligada a escalões de formação). Saí do Académico para ir coordenar o minibasquete da Juvemaia ACDC onde estive durante 13 anos, quase todos ligados a essa função, acumulando o papel de treinadora/coordenadora da formação. Esta época estou no Guifões SC, e estou em “ano de pausa” do Mini, estando apenas com escalões mais velhos. Penso que todos os treinadores com quem partilhei algo acabaram, de alguma forma, por influenciar o meu trajeto, e acredito que também aquilo que eu sou enquanto pessoa e enquanto treinadora.

Numa fase inicial os que foram meus treinadores sendo eu atleta, e numa fase posterior, também aqueles com quem fui trabalhando como treinadora, para além de todos aqueles com quem fui partilhando Campus, Clinics, e tantas outras experiências... acredito que um treinador se vai construindo e moldando ao longo dos anos com base na reflexão construída por todas essas partilhas e pelas suas experiências pessoais, e que tem de se preocupar em ir ao encontro das necessidades de cada geração. Ser treinadora hoje é muito diferente do que era há 10 ou há 20 anos atrás. A forma de lidar com os atletas, o envolvimento dos pais, a forma como os atletas interpretam o jogo, a equipa, o papel do basquete e do treinador nas suas vidas são totalmente distintos, e é crucial que consigamos adaptar-nos às suas necessidades. Aliás, penso que a principal função do treinador não é mais do que perceber as necessidades dos atletas e dar-lhes aquilo de que precisam em cada momento. Em todos os aspetos, sejam físicos, mentais, sociais, técnicos ou táticos.

Por fim, e não colocando nomes porque não quero correr o risco de ser injusta, é muito engraçado por vezes dar por mim a utilizar as mesmas expressões verbais ou corporais que alguns treinadores que tive usavam comigo ou com as minhas equipas. Tive a felicidade de ter muitos treinadores a marcarem a minha vida de diferentes formas, e sou muito grata a todos eles. Gostava de poder marcar a vida dos meus atletas da mesma forma, embora tenha a consciência de que sermos humanos leva a que cometamos erros, e o meu caminho também tem muitos. Considero que o sucesso de um treinador se mede pela quantidade de vidas que consegue marcar, e nesse aspeto sinto que fui afortunada pelas pessoas com quem trabalhei.

3. Depois desta apresentação gostaria de entrar num tema que causa sempre alguma polémica. Qual é a tua visão sobre a dicotomia competição/diversão?
Honestamente, e já referi várias vezes esta opinião, não vejo a competição como algo polémico ou problemático. Vejo a competição como algo muito natural nas crianças, que utilizada da forma correta, pode ser um combustível muito interessante para o crescimento e a evolução.

Agora se me perguntas se acho bom que um jogo de minibasquete, com atletas acabados de chegar à modalidade termine 120-05, não, não acho, porque a probabilidade desses atletas não voltarem no dia seguinte é enorme… Mas acho extremamente importante que, desde pequeninos aprendam a diferença entre ganhar e perder e sobretudo, aprendam a ganhar, a perder, a lidar com o sucesso e a frustração. Mas que isto seja feito de uma forma ajustada e coerente com o seu estágio de desenvolvimento, como em todos os outros aspetos. No entanto há aqui muitos outros aspetos que são extremamente relevantes e aos quais a maior parte de nós, treinadores, damos muito pouca atenção.

Por exemplo, a competição saudável implica respeito, empatia, cooperação, solidariedade… trata-se de algo que deve motivar e dar confiança e autoestima; trata-se de desafios que ajudem a reforçar habilidades e a ensinar que perder faz parte da vida. Quantas vezes se transforma isto em situações de egocentrismo, de não saber perder, de se achar melhor que os outros, de haver atletas que não querem participar por ansiedade, medo ou tristeza? Quantas vezes nós, treinadores, confundimos derrota com erro/falha e retiramos aos atletas o direito a tentar e a errar, de que tanto necessitam para evoluir? Portanto, na minha opinião… Competição, sim, mas competição saudável, aquela que ajuda todos a crescer.

4. Na tua opinião qual é a principal finalidade da competição no minibásquete?
O minibasquete é um contexto muito abrangente. A principal finalidade num jogo de Mini-8 não pode ser, considerando todos os aspetos, a mesma que num jogo de Mini-12 com atletas evoluídos. Quero com isto dizer que acho que os objetivos, inclusive os competitivos, devem ser adequados à idade e ao estágio de desenvolvimento dos atletas que constituem a equipa. De um modo abrangente a todas as idades, vejo os jogos no minibasquete com 2 grandes objetivos: o primeiro é o da avaliação, de percebermos até que ponto os atletas são ou não capazes de colocar em prática no jogo, com a sobrecarga emocional que isso acarreta, os aspetos que são treinados; o segundo é o da experiência, a melhor forma de se aprender a jogar é jogando, portanto sou apologista de que joguem o máximo que possam, e que tenham sempre possibilidade de tentar, de errar, de aprender e sobretudo, de desfrutar, porque tal como em qualquer idade, eles gostam é de jogar!

Acredito que ganhar por si só não pode ser a principal finalidade no minibasquete. A meu ver, ganhar deve ser consequência de um trabalho bem feito, assente em alicerces que permitam aos atletas crescer numa perspetiva de futuro, de conseguirem ser atletas de competição competentes, com valores e princípios humanos e desportivos bem definidos. Ganhar a todo o custo passando por cima da competição saudável, do respeito, do fair-play, massacrando o adversário ou pior ainda, colocando em causa a evolução desportiva ou humana dos nossos próprios atletas vale, para mim, muito pouco. No minibasquete, ainda menos.

5. Como olhas para o atual momento do basquetebol em geral e da formação em particular, quer a nível da tua associação, quer a nível do país?
Sinceramente, olho com preocupação… penso que teremos anos muito difíceis no futuro mais próximo. E acho que não podemos apenas “culpar” o Covid. Obviamente que a pandemia causou danos que levarão anos a ser reparados, mas penso que não podemos olhar para o estado do nosso minibasquete e da nossa formação e acreditar que o problema vem só daí. Isso é atirar areia para os olhos. Considero que há alguns aspetos que, pensando um pouco sobre o assunto, são facilmente identificáveis. O número de praticantes aumentou, mas o número de treinadores experientes não acompanhou… isso significa que existe um grande número de equipas e atletas que estão entregues a treinadores sem experiência para a função, ou pior ainda, sem formação.
A maior parte das equipas que referi no ponto acima são equipas de formação ou minibasquete, porque grande parte dos clubes continua a apostar nos treinadores mais competentes para a competição, e depois “queixam-se” que é preciso ir buscar atletas seniores fora de portas, porque a formação não alimenta as equipas seniores. A diferença nos valores pagos aos treinadores de competição e de formação continua, a meu ver, a ser um problema para que se consigam fixar melhores treinadores na formação. E isto agrava o referido no ponto anterior.

O envolvimento cultural e social leva a que pais, atletas e treinadores procurem o êxito imediato e efémero, e que andem a saltar de clube em clube para isso, e que os clubes e os próprios treinadores/dirigentes mudem posturas e formas de estar para ganhar e “segurar” atletas mais competentes, comprometendo muitas vezes a formação de atletas em prol de resultados imediatos nos escalões mais novos.

E mais se poderia dizer. Acredito que só conseguiremos ter atletas competentes no futuro, se investirmos tempo de qualidade a formá-los, a dar-lhes bagagem técnica, tática, física e mental que lhes permita ser capazes de ir a jogo e tomar decisões com o que o jogo lhes der, usando para cada situação a melhor ferramenta que trazem consigo na bagagem. Ou as melhores… E isso leva tempo, muito tempo, e poucos resultados imediatos.

6. Para ti qual é o principal papel do minibásquete dentro da modalidade no nosso país?
Penso que cada vez mais o minibasquete é a porta de entrada na modalidade. Felizmente os atletas começam a jogar cada vez mais cedo, vemos o aparecimento na maior parte dos clubes do Baby-Basquete, e o aumento substancial de atletas nos escalões mais novos, mas penso que o Mini poderia e deveria fazer mais no que diz respeito a aumentar a bagagem que os atletas levam para a formação.

Que o minibasquete tem de ser divertido e que os atletas têm de querer voltar no dia seguinte é algo que todos temos como certo, mas há muitos conceitos que podem e devem ser trabalhados no minibasquete, com foco no atleta, e que vão permitir que sejam mais competentes e possam avançar mais rapidamente nos conteúdos no futuro.

7. Na tua opinião que medida ou medidas poderiam ser tomadas para a melhoria do minibásquete em Portugal?
Eu começaria por normalizar as regras em todo o país. Entendo que as realidades podem ser muito diferentes, e que o que é verdade no Porto pode não ser na Guarda ou no Algarve, mas penso que deveria haver uma base comum para todos, que poderia depois, mediante justificações válidas, ser ajustada a cada realidade. Fica um pouco confuso que cada associação e cada clube criem as suas próprias regras e a cada semana miúdos e treinadores tenham de se adaptar a situações diferentes. Depois penso que deveria haver um maior acompanhamento dos treinadores. A maior parte são muito jovens, e são literalmente “atirados aos leões” em escalões com uma responsabilidade enorme, e extremamente difíceis de gerir. Desengane-se quem acha que treinar minibasquete é fácil, porque não é, de todo.

Por fim, e numa base mais utópica porque entendo que isto seria muito complicado de colocar em prática, acho que seria interessante que, muito mais do que haver escalões baseados em idades, pudesse haver competições em que os miúdos jogassem com base no seu estágio de maturação e nível de aprendizagem.

8. Regressando a questões mais pessoais quer como treinadora, simples adepta ou jogadora, que momentos foram para ti marcantes, quer pela positiva quer pela negativa.
Felizmente não recordo nenhum momento que possa considerar negativo. Obviamente que houve momentos mais difíceis, e posso referir nesse contexto o momento em que a minha equipa de Sub16 chegou à Final do Campeonato Nacional sem qualquer derrota durante a época e eu falhei o cesto no último segundo, mas penso que tudo na vida tem sempre dois lados, e que mesmo nos momentos mais complicados, podemos sempre aprender qualquer coisa, assim queiramos. Momentos marcantes pela positiva tenho muitos, posso considerar-me uma sortuda. A começar pela “anormalidade” que foi o meu primeiro jogo oficial como atleta ter sido pela seleção distrital de Sub14 da ABP (porque o Lousada estava a começar e não havia meninas suficientes para se competir nesse ano), passando, tanto como atleta como treinadora, pelos diversos pontos altos onde pude estar - Fases Finais distritais e nacionais, Campeonatos Inter-Seleções, Festas do Basquetebol em Portimão e Albufeira, Festas do Minibasquete, Campeonatos da Europa - mas também os Campus Basket em Calvão e Ílhavo. Em todos eles pude crescer e vivenciar momentos que levo para a vida.

Mas muito mais do que medalhas, títulos ou prémios individuais, o que verdadeiramente me marca são as centenas de pessoas com quem tive a felicidade de partilhar tantos incríveis momentos, sejam colegas de equipa, treinadores, seccionistas, atletas que treinei, colegas treinadores e dirigentes, adversários, árbitros. O basquetebol deu-me amigos para a vida, e momentos inesquecíveis, e isso é, para mim, o mais importante.

9. Antes da última questão, como costumo terminar as minhas entrevistas, gostaria que me dissesses que mensagem consideras importante passar a quem se quer dedicar ao ensino do Minibásquete?
Considero que há três questões muito importantes para se treinar minibasquete. A primeira delas é a capacidade de discernir entre aquilo que nós, treinadores, sabemos do jogo e aquilo que os miúdos, naturalmente, não sabem. Um erro comum é acharmos que eles têm obrigação de saber, porque para nós é básico, mas eles não sabem porque a verdade é que nunca ninguém lhes ensinou.

A segunda é perceber que a formação é um processo longo e moroso e que os resultados podem tardar em aparecer, mas que isso não deve ser motivo para desvios ou atalhos. E por fim, entender que o mais normal no decorrer de um treino ou jogo é que os atletas errem, estão no início do percurso de aprendizagem… Sermos capazes de definir metas tangíveis e 2 ou 3 objetivos adequados é meio caminho andado para não estarmos sempre a dar feedbacks sobre mil e um assuntos distintos (porque eles vão errar em quase tudo!), baralhando a cabeça aos miúdos e complicando a tarefa de aprendizagem. É fundamental não querermos ensinar tudo ao mesmo tempo.

10. Finalmente a pergunta como gosto de terminar as minhas entrevistas, que pergunta gostarias que te fosse feita e que resposta darias?
Honestamente, não sei bem como formularia a questão, mas há um aspeto que gostava de referir antes de terminar. O Basquetebol somos todos nós. Independentemente de clubes, géneros, idades, regiões… e, na minha opinião, cabe-nos a todos, muito mais do que andar a “pisar em cima uns dos outros” para ganhar títulos, visibilidade, ou atletas, zelar pelo NOSSO Basquetebol. Sempre nos orgulhamos de ser diferentes, e a verdade é que cada vez mais vemos confusões nas bancadas, faltas de respeito nos campos, e tantas outras coisas que não cabem naquilo que deveria ser o nosso Basquetebol, o que queremos para as nossas crianças, jovens e adultos.

Deixo o apelo a todos para que, independentemente da cor das camisolas, saibamos defender os nossos. Porque se não houver clubes contra quem jogar, se não houver árbitros, se não houver atletas ou treinadores, também não poderemos jogar. Sermos competitivos durante o jogo é perfeitamente natural e saudável, mas o jogo acaba, e há um bem maior a proteger.

Obrigada e VIVA O BASQUETEBOL! VIVA O MINIBASQUETE!

 

 


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