“O basquete era o desporto em Moçambique.” (1) Esta é uma afirmação insuspeita, pois não é dita por alguém ligado ao basquetebol, mas pelo ex-futebolista Carlos Xavier, internacional do Sporting Clube de Portugal,
numa entrevista para o jornal Sol, de 19 de agosto de 2022. Apesar de ser a terra natal de grandes futebolistas, entre outros, como o Hilário, o Coluna e um dos maiores nomes do futebol mundial, o Eusébio, o basquetebol era antes de 1974, considerado o “desporto-rei” em Moçambique.
Se, no futebol, Moçambique deu grandes nomes e muitos internacionais às seleções nacionais de futebol, no basquetebol essa lista é quase infindável e dos quais vou destacar três figuras, infelizmente falecidas em 2023, Hermínio Barreto, Rui Pinheiro e Henrique Vieira, aos quais me sinto obrigado a juntar dois nomes, por serem considerados os melhores jogadores das suas gerações Mário Albuquerque e Carlos Lisboa. Dos nomes mencionados apenas Henrique Vieira ainda não está inserido nas Lendas do Basquetebol do Planeta Basket.
Este entusiasmo pela modalidade resultou igualmente do investimento, que a partir de 1963 foi feito para integrar os clubes vencedores dos campeonatos provinciais de Angola e Moçambique para a atribuição do título de campeão nacional da 1ª Divisão. É o que veio a acontecer nas seguintes épocas em que o Sporting Clube de Lourenço Marques se sagrou campeão nacional nas épocas de 1967/68, 1970/71 e 1972/73 e o Malangalhene em 1973/74 última edição do campeonato nacional com a participação de clubes de Angola e Moçambique.
É neste ambiente de grande entusiasmo pela modalidade que o minibásquete nasceu pela mão de Cremildo Pereira na cidade da Beira e rapidamente se expandiu para Lourenço Marques, atual Maputo. Esta importância que a modalidade tinha manifestou-se também na extraordinária dinâmica, que o minibásquete organizado pelo Conselho Provincial de Desporto de Moçambique presidido pelo Prof. Noronha Feio e forte envolvimento do Prof. Mirandela da Costa, que exerceu funções de relevo no Conselho Provincial de Educação Física e Desporto, em estreito contacto com o Prof. Hermínio Barreto, organizava com o apoio e patrocínio da Coca Cola e Milo.
A muitos amigos vindos de Moçambique, nomeadamente ao António Faria Lopes, com quem convivi muito nos meus primeiros anos na Federação, ouvi contar estórias sobre a dinâmica e o entusiasmo destes famosos torneios, mas uma vez mais, por pensar que espelham com muita simplicidade e clareza o que era o ambiente desses torneios recorro à citada entrevista e ao testemunho do Carlos Xavier e do seu pai.
“Carlos: Em Moçambique só me lembro de jogar basquete. Uma vez até perguntei ao meu pai se também jogava futebol lá, porque não me lembro. O basquete era o desporto em Moçambique. (1)
Carlos: Futebol jogávamos na praia. E depois havia muito era torneios de mini-basquete.(2)
Carlos Xavier Pai: No torneio da Coca-Cola de mini-basquete aconteceu uma situação engraçada. Eles tinham nove, dez anos. Para não haver muita diferença duns para os outros, algum jogador que marcasse vinte pontos tinha que sair. Este [aponta para Pedro] no primeiro jogo marcou vinte pontos. No segundo jogo chegou aos 18 e já não lançava ao cesto! Era sempre eu que os levava, mas houve uma vez que não consegui sair mais cedo do emprego. Fui buscá-los a casa e quando chegámos ao campo não vi treinador. Eles tinham dez anos, o treinador devia ter 14 ou 15… ‘Então o treinador?’. E um miúdo contou-me o que se tinha passado. O treinador tinha perguntado pelos gémeos, mas ninguém sabia deles. ‘Ai não estão cá? Então vou-me embora, boa sorte!’. [risos] (3)
Carlos: Era o torneio da Coca-Cola e o torneio da Milo. Acabavam os jogos e íamos para a fila beber chocolate geladinho…” (4)
Mundo dos jovens e para os jovens com preocupações pedagógicas
Desta entrevista ressaltam duas ideias: Primeira a informalidade destes torneios em que um jovem com 14 ou 15 anos poderia assumir o papel de treinador das equipas de minibásquete. Embora organizado e supervisionado pelos adultos, este era o mundo dos jovens e para os jovens. Segunda as preocupações pedagógicas existentes expressas na regra de quem marcasse vinte pontos tinha de ser substituído.
Quando no final de 2022 e início de 2023 estive dois meses em Moçambique entrei em contacto com o Prof. António Azevedo, que me transmitiu que muito da doutrina desses torneios e preocupações pedagógicas do que deveria ser o minibásquete também tinham passado pelo Prof. Teotónio de Lima, mas que infelizmente quando regressou a Moçambique, já após a independência essa documentação tinha desaparecido.
Contudo o espírito do que devia ser o minibásquete está bem patente em diversas entrevistas e artigos de Cremildo Pereira, a primeira pessoa, que trouxe a palavra minibásquete para o léxico português. Nos próximos artigos falarei sucessivamente sobre os legados de quatro figuras muito importantes no surgimento do minibásquete: Cremildo Pereira, Mário Lemos, Eduardo Nunes e Carlos Alberto Gonçalves. O minibásquete português surgiu em Moçambique e lá nasceram muitos nomes grandes do basquetebol nacional.
(1) Saraiva, José Cabrita; - Entrevista: Família Xavier. “Nunca me meti nem dei conselhos aos meus filhos. Eles sabiam mais do que eu. – Jornal Sol 19 de Agosto de 2022
(2) Ibidem
(3) Ibidem
(4) Ibidem