Alguns “segredos” do NCAA

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NCCA BasketballUma organização com a dimensão do basquetebol universitário norte-americano tem que assegurar três componentes: ser viável financeiramente, em termos desportivos e educacionais.

Com o passar dos meses mais entendo porque o desporto universitário norte-americano é tão popular, competitivo e economicamente lucrativo.

Comecemos pela vertente desportiva. Existem mais de 1000 universidades nos estados unidos, com um quadro competitivo definido pela sua zona territorial e/ou número de alunos e/ou orçamento que possui. Sendo um sistema pensado em termos de progressão, o desporto universitário é o passo seguinte após o desporto de liceu (a título de curiosidade existem 17969 equipas masculinas e 17711 equipas femininas de liceu, com 540.207 rapazes e 439.550 raparigas a praticar basquetebol anualmente). Esta progressão é natural, tendo as universidades criado ao longo das décadas uma cultura desportiva, cultura essa que está enraizada na comunidade que vive na zona da universidade em questão, onde os avós, os filhos e os netos foram alunos, sendo uma honra o apoio de todos os desportos da instituição. Com isto facilmente vejo pavilhões com mais de 10 mil espectadores, apoiando a sua “alma mater” (termo que refere a escola onde estudou). Cada universidade possui o seu pavilhão, o seu departamento atlético, departamento de fisioterapia, de comunicação, o que faz com que o estudante/atleta tenha todas as condições para apenas, e só, preocupar-se com duas coisas, estudar e jogar.

Os Estados Unidos é um pais onde tudo é criado e desenvolvido para dar lucro, para ser financeiramente viável, e no desporto universitário é exactamente o mesmo. Uma das particularidades que achei deveras interessante partilhar é o conceito que o sistema universitário denomina de “jogos de exibição”. Os jogos de exibição têm 3 intuitos: colocar uma equipa mais forte contra uma menos forte de modo a que a mais forte possa usar esse jogo como uma preparação com um resultado supostamente positivo, colocar uma equipa menos forte contra uma mais forte de modo a que a menos forte possa ter uma competição acima do nível que irá encontrar no seu calendário e por fim dar à equipa menos forte um encaixe financeiro considerável. Este último ponto é o interessante, ou seja, a equipa “pequena” é paga pela equipa “maior” para ir jogar ao seu pavilhão, quantias que vão para lá dos 5 mil dólares (com transporte, alojamento e alimentação incluídos) o que faz com que seja, por um lado, uma fonte de receita e por outro, uma oportunidade de equipas menos fortes ou de divisões inferiores jogarem contra as ditas grandes.

Toda esta estrutura emprega uma série de profissionais, tais como treinadores, árbitros, fisioterapeutas, médicos, profissionais da comunicação, alunos com part-times ajudando na logística e outros sectores, psicólogos, cozinheiros, etc. Todos estes profissionais com muito espaço e condições para desenvolver o seu “know-how” e claro, todos eles pagos pelo trabalho que desempenham.

Estou a falar de organizações e estruturas completamente profissionais que trabalham simplesmente para dar as melhores condições possíveis para que um jovem possa apenas estar focado em estudar e praticar um desporto.

Como já referi num artigo passado, serei sempre a favor de um sistema que, com todos os seus defeitos, coloque lado a lado a educação e o desporto.

No topo desta pirâmide toda temos uma indústria televisiva que suporta em massa todo este fenómeno (começando logo pelo desporto de liceu) e que faz chegar a cada casa a modalidade, tirando os seus dividendos em termos de publicidade e contratos de transmissão que são devidamente divididos por todas as partes, com regras bem definidas e claras, de modo a que todos possam ser tratados da mesma maneira independentemente do peso que possuem.

Este sistema tem lugar em Portugal? Não com a mesma estrutura que tem sido desenvolvida aqui ao longa de décadas, de investimentos e organizações criadas, não surgiu de um dia para o outro, foi adaptando-se aos climas económicos, sociais e de desenvolvimento.

Acredito com muita convicção que em Portugal está na altura de usar esta “crise” para criar estruturas onde comecemos a desenvolver na base o jogador português, onde devemos elaborar um plano a médio/longo prazo em relação ao caminho que queremos para a nossa modalidade e acima de tudo, que se deixe de fazer “navegação à vista”, resolvendo o problema só depois de ele aparecer e não antecipando-o e criando mecanismos para o evitar.

A modalidade tem que ser de todos os jovens e não só daqueles que vivem em certas zonas do pais, as instituições responsáveis têm que ter como primeiro objectivo garantir que a faixa etária entre os 8 e os 12 anos seja alargada muito mais em termos de praticantes, que não se pode “ter jogos de sub-14 sem árbitros e no pavilhão ao lado um jogo de CNB 2 com árbitros”, temos que rever prioridades, definir o que é importante, fazer um “reset” e começar de “novo”. Dá trabalho? Muito! Leva tempo? Muito tempo! Tem obstáculos e desafios? Imensos! Somos competentes e capazes de o fazer? Sem dúvida, somos dos povos mais competentes, empenhados e sonhadores, somos “filhos” de conquistadores e exploradores, sabemos como através das adversidades tornar sonhos realizados.

Eu Vejo-te...
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Comentários 

 
+6 #4 Diogo Saraiva 22-12-2012 18:10
É com enorme satisfação que tenho acompanhado os seus artigos que são fruto da enorme experiência que está a vivenciar num país que é um ícone da nossa modalidade e para mim do desporto Mundial!
Gostaria de lhe dar os sinceros parabéns pela forma como tem exposto os assuntos em questão!
Sou, como quem me conhece sabe, um enorme defensor do Modelo Americano do Desporto, tendo cada vez mais a certeza que está na hora de pegarmos nas boas práticas de fazer desporto e implementa-las, com as devidas adaptações, em Portugal.
Temos um enorme caminho a percorrer e ele tem que começar já!
Em relação à nossa modalidade é urgentemente repensar em estratégias ligadas às escolas, tentando que renasça, se assim não for, sendo eu treinador e jogador e vivendo o dia-a-dia da modalidade em Portugal, temo pelo seu fim!
Cumprimentos.
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+6 #3 Nuno Tavares 19-12-2012 17:49
O campeonato da NAIA faz parte dos diferentes campeonatos organizados pelo desporto universitário, igual à NCAA e à NJCAA (National Junior College). Regras, modelo, arbitragem, logística tudo é o mesmo, penso que a única diferença é que esta liga é mais virada para uma componente académica, dando mais garantias ao aluno/atleta de poder praticar um desporto e ao mesmo tempo ter a componente académica (igual à NCAA na minha perspectiva). O nosso calendário fora da nossa conferência é 95% feito contra equipas da NCAA e da NJCAA. No fundo é apenas uma opção da escola em que liga deverá participar porque em termos de orçamentos, audiências e visibilidade, a diferença não é muita. Na nossa conferência temos escolas privadas e de âmbito religioso, tal como acontece com a NCAA e a NJCAA. Existe essencialmente um factor histórico por detrás que fez com que esta liga fosse criada à 70 anos e depois da introdução da NCAA continua-se, um pouco como a ABA e a NBA, levando à sua fusão mais tarde.
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+6 #2 Paulo Dionisio 18-12-2012 08:21
Sigo com muita atenção todos os artigos sobre a sua aventura nos Estados Unidos porque transmitem uma realidade diferente, muito diferente da nossa.
Gostava de lhe pedir para nos dar a conhecer a NAIA o campeonato onde a sua equipa universitária participa.
Primeiro porque me parece que talvez tenha mais similitudes ( embora estejamos muito longe dessa realidade) com o nosso mundo do que a NCAA.
Como se organiza a liga que disputa? É um campeonato de universidades privadas? É um campeonato só de equipas religiosas? Tive a ler artigos mas não percebi ainda ao certo.
Abraço e boa sorte!
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+7 #1 João 17-12-2012 19:12
Parabéns pelo artigo!
Acompanho, sempre que posso e já há alguns anos, o campeonato de basquetebol universitário americano. Com o aparecimento do canal ESPN America na MEO, tornou o seu acompanhamento mais fácil e com mais oferta ao nível de jogos.
O espírito universitário é espectacular. Gosto especialmente do facto dos atletas conseguirem praticar vários desportos no mesmo ano. Por exemplo, o Robert Griffin III era uma estrela na sua universidade de Baylor no Futebol (americano, claro!), no basquetebol e no atletismo. Outros casos podiam ser apontados. Neste país à beira mar plantado, penso que seria muito difícil de acontecer. E se há coisa que aprecio é de ecletismo!

Quanto a traduzir esse modelo para o nosso país, penso que, infelizmente, é impossível.

Na minha opinião, deveria aproveitar-se o desporto escolar para mudar alguma coisa. Não só no basquetebol, mas no desporto em geral.
Saudações
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