O modelo português

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PortugalClaramente que o basquetebol português evoluiu muito nestes últimos 30 anos, mas esta evolução não significa que se tenham dado os passos corretos.

Portugal possui excelentes treinadores, jogadores, árbitros, oficiais de mesa e todos os restantes intervenientes que fazem parte desta modalidade, especialmente porque cada vez mais, o trabalho destas pessoas é movido por uma crença e amor à modalidade e não por questões monetárias, especialmente devido à enorme crise que o país atravessa.

Penso que a primeira condição para que para qualquer projeto se possa desenvolver é acreditar no que fazemos, eu falo por mim e pelo projeto dos Campos MVP que, acima de tudo, é todo construído a pensar no atleta, sendo as motivações económicas uma consequência dessa construção. O basquetebol português tem pessoas que acreditam e trabalham arduamente para os seus atletas, no entanto, por vezes, é complicado andar para a frente quando o sistema imposto cada vez mais nos puxa para trás. Tal como disse no meu artigo da semana passada, “modelo espanhol”, a federação portuguesa de basquetebol tem uma divisão do país, em termos de associações, maior do que a vizinha Espanha, ou seja, temos 21 associações para 19 espanholas, o que faz com que existam associações a mais, tanto para o nosso território, como para o atual número de equipas/praticantes que temos. Devemos repensar todo o sistema de formação na modalidade de basquetebol, mesmo sendo da opinião que entregar esta formação para a tutela das escolas seria um primeiro passo ideal para o desenvolvimento da modalidade, acredito que o modelo federativo possa ter sucesso, mas não nos moldes que se encontra pois claramente não está a resultar.

Quando olho para o desporto, olho para um fenómeno que, acima de tudo, esteja ao alcance de todos e que as pessoas que tutelam o nosso basquetebol deveriam reavaliar o modo de como levar a modalidade a todos os concelhos, dar mais apoio aos clubes em termos de formação, de como dirigir, tanto administrativamente como tecnicamente e, reformular o número de associações de modo a que seja mais eficaz para a modalidade, deveremos adaptar o sistema aos dias de hoje e não continuar a insistir num modelo que tem mais de 30 anos e não funciona.

Uma das avaliações profundas que se deveria realizar é perceber a razão pela qual o escalão de mini basquetebol até sub-14 tem tantos praticantes, e conforme vamos subindo nos escalões, existe uma perda significativa de atletas, existem várias razões que podemos apontar, mas não deveremos confundir com razões de desistência que são transversais a qualquer desporto e usarmos como argumento para desculpar a perda de atletas. Quando penso em termos femininos, acho ainda mais incompreensível como é que, olhando para a oferta desportiva no nosso pais, não é o desporto coletivo de referência em Portugal, visto que nenhum se destaca e o basquetebol feminino poderia fazer a diferença, e menos compreendo quando temos uma pessoa como a Ticha Penicheiro (entre outras) como uma referência tão importante, com um trajeto de top no basquetebol mundial, com uma formação norte-americana onde os valores como solidariedade, trabalho de equipa, ajuda, entre outros, estão sempre presentes, e as pessoas que tutelam o basquetebol português nunca pensaram que seria um excelente ponto de partida para iniciar uma revolução no nosso basquetebol, infelizmente os anos passaram e mais uma vez nada se fez.

Um boa medida seria a mudança dos escalões de formação na sua base, tal como já foi avançado por San Payo Araújo, de modo a que os atletas pudessem fazer cada vez mais jogos, pois no fundo, jogar é o que faz com que os atletas evoluam, neste sentido, penso que o modo como os campeonatos nacionais são definidos é errado, não fazendo sentido o sistema de cotas que está em vigor, ou seja, não se percebe como é que num campeonato nacional da zona sul, por exemplo, para 8 equipas, 4 destas sejam ocupadas por equipas de Lisboa e as outras 4 distribuídas pelas associações restantes, o que faz como existam distritos que podem levar anos até ganhar um lugar numa competição. Penso que seria mais justo se cada associação tivesse sempre direito à sua vaga, em todos os escalões, e as restantes fossem dadas às associações com melhor performance no ano anterior, fazendo assim com que todo o país estivesse envolvido e não beneficiando sempre as associações como a de Lisboa e do Porto.

A festa do basquetebol sem dúvida é um dos grandes acontecimentos da modalidade, onde se junta toda a família do basquetebol durante 4 dias em Portimão, desde jogadores, a treinadores, árbitros e todos os outros intervenientes, mas cada vez mais me questiono da necessidade deste evento em relação às verdadeiras necessidades e desafios que a nossa modalidade enfrenta. Toda a logística e meios humanos ali presentes, mais o dinheiro gasto, deveria ser empregue para o melhoramento da base do nosso basquetebol pelo pais, ajudando treinadores, dirigentes, árbitros entre outros. Trocava a festa do basquetebol por um sistema que obrigasse a presença de um fisioterapeuta presente em todos os jogos de formação, trocava novamente a festa do basquetebol por um sistema que obrigasse a presença de um nutricionista juntos dos clubes de modo a que pudesse educar atletas de formação de como deveriam ter regras de alimentação, ferramentas importantes para a sua vida a médio/longo prazo e acima de tudo trocaria a festa do basquetebol pela presença de árbitros em todos os jogos de formação pelo país.

Por fim os centros de alto rendimento que, tal como a festa do basquetebol, são importantes, mas não necessários em relação às necessidades e desafios que a modalidade apresenta. Primeiro penso que existem centros a mais, reformulados agora, não por uma questão técnica/tática/pedagógica mas sim relacionada com a crise. Os centros de alto rendimento ou centros de treino que existem são tudo menos aquilo que o nosso basquetebol precisa pois não consigo conceber um centro destes que simplesmente retira crianças com 14/15 anos das suas famílias e mete-os a habitar em apartamentos sem supervisão permanente de adultos, com uma alimentação completamente errada para a idade em questão e onde as notas da escola são pouco relevantes. Com isto não digo que todos os centros sejam assim, mas basta um o ser para que seja grave. Não existe uma ligação técnica entre os centros, o que faz com que não haja evolução de escalão para escalão, que depois é notório nas classificações dos campeonatos da Europa.

Uma boa medida seria, usando o escalão de sub-16 como exemplo, ter um centro na zona de Aveiro que cobria o norte todo do país até Santarém, e outro na zona do alto Alentejo que cobrisse de Lisboa até ao Algarve (enquadravam-se as ilhas em cada zona). Cada centro tinha os melhores 12 atletas da zona norte e sul, e daí sairia a seleção nacional que representava o nosso país. A equipa técnica seria constituída pelos treinadores de ambos os centros. Isto faria com que todo o país estivesse representado e, acima de tudo, evitava-se algo que é muito penalizante para um atleta, que é o facto de este estar longe de um centro. (um atleta do Algarve que esteja em S. João da Madeira) Das duas uma, ou perde os fins de semana em viagens porque tem que vir jogar ao clube, fazendo mais de 800 km por fim de semana, sendo um desgaste terrível para uma criança de 15 anos, ou fica a jogar num clube situado perto do centro fazendo com que raramente veja a sua família. Será que se pensa na criança quando se tomam decisões destas? Ou estar-se-á a formar estrelas prematuras?

Redefinir prioridades, debater os problemas da nossa modalidade, juntar as pessoas que queiram fazer um debate saudável é essencial ao basquetebol português, mas acima de tudo, deve-se repensar muito bem quais são as prioridades que queremos para a nossa formação, certamente que não serão jogos de formação sem árbitros, jogadores sem apoio médico e passar a mensagem que o basquetebol é mais importante que a escola.

Devemos olhar para os nossos atletas como o nosso melhor ativo, alguém que mesmo que não tenha um futuro como jogador possa ser formado dentro do campo para ser uma melhor pessoa no futuro, ajudando a modalidade numa das várias funções que pode oferecer. Dar ferramentas de vida aos atletas é o maior investimento que a modalidade tem para oferecer pois se tivermos melhores atletas em termos físicos, técnicos e humanos, iremos no futuro ter melhores treinadores, dirigentes, árbitros, fisioterapeutas. São tudo uma questão de prioridades.

Este texto está redigido segundo o novo acordo ortográfico

 

Comentários 

 
+2 #1 Marcelo 02-11-2011 20:29
Concordo plenamente. abraço
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