Modelos de formação

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Henrique SantosA formação de treinadores recorre hoje a meios muito diversificados que vão dos tradicionais cursos presenciais até a formações online em que formadores e formandos se encontram por vezes a grande distância física.

Neste escrito pretendo descrever um formato inovador que surgiu nos anos cinquenta do século XX, em França, fruto da iniciativa e trabalho de um colectivo de treinadores. Como sabemos a forma tradicional de formação creditada de treinadores realiza-se através de um curso presencial, com objectivos que actualmente se costumam definir em termos de competências e conhecimentos a adquirir. Esses cursos estão subordinados a um currrículo e têm um número de horas de formação estabelecido. Esta formação, no fim, é sujeita a uma avaliação teórica e prática que se debruça sobre os conteúdos trabalhados nessa formação.

Mais modernamente os sistemas formativos contemplam a validação de competências adquiridas pela prática e exigem períodos de tempo – estágios – supervisionados por mentores com maior experiência, assim como também se vai estabelecendo a necessidade e a realidade da formação contínua.

Os primeiros cursos de treinadores não fugiam a um modelo de pendor fortemente  transmissivo, hierárquico e prescritivo. Por isso podemos considerar como grandemente inovador um formato de formação proposto nos anos cinquenta que era nesses tempos designado de “estágios de novo tipo” e que ficaram conhecidos por estágios Henri Martin. Dois nomes de treinadores ligados à organização deste tipo de iniciativas e com particular notoriedade foram os de Émile Frezot e Robert Mérand.

Em vez de se dirigirem exclusivamente a treinadores e a serem leccionados por formadores treinadores, uma das inovações que apresentava era a de uma formação conjunta de treinadores, árbitros e jogadores, numa estrutura organizativa desportivamente autêntica. Formavam-se equipas estáveis no tempo do estágio, constituidas por jogadores e orientadas por treinadores nos jogos de torneios e nos treinos entre jogos; por sua vez os árbitros dirigiam as partidas desses torneios.

“O objectivo era o de fazer funcionar as situações o mais concretas possíveis agrupando toda “a realidade do mundo do basquetebol”. Nessas condições, “os problemas a resolver eram aqueles que colocava a realidade viva das competições, a realidade das equipas em jogo.”” (Vandevelde, 2007)

Em vez de uma formação livresca e muito teórica, com um curriculum estritamente determinado à partida, os conteúdos da formação eram grandemente determinados pelas necessidades dos jogadores e das equipas sentidas e observadas em situação de jogo. O ponto de partida era portanto a realidade da prática, sobretudo a da competição. Daí, os treinadores, árbitros (e até jogadores) reuniam-se entre si para fazerem balanços das observações dos jogos e dos treinos, planearem o trabalho dos treinos e o conteúdo da direcção das equipas nos jogos seguintes. Eram assim os problemas dos jogadores e das equipas retirados da observação e análise dos jogos que determinavam o conteúdos dos treinos; também as questões da arbitragem e dos modelos de organização dos jogos eram abordados. Além disso, dado que se encontravam numa situação de estágio presencial, os vários protagonistas encontravam-se para trocar pontos de vista sobre as questões de basquetebol que os interessavam. Todos nós sabemos como é interessante e importante encontrar verdadeiros momentos de diálogo entre os vários agentes do jogo. Se os treinadores e jogadores estão por natureza próximos embora nem sempre estabeleçam relações de comunicação produtivas, o mesmo não acontece, por exemplo, em relação aos árbitros. Uma formação situada e concreta deste tipo induzia este tipo de diálogo e tinha esta virtude.

Utilizemos para uma descrição mais pormenorizada destes estágios a descrição que Michèle Vandevelde fez no seu livro sobre Robert Mérand (Vandevelde, 2007).

Relativamente ao emprego do tempo, para os jogadores o estágio comportava competições, treinos, reuniões de análise e crítica das competições, repousos activos e repousos de recuperação. No caso dos treinadores compunha-se de duas partes: uma, com os jogadores, na direcção e observação dos jogos, na crítica e análise dos mesmos e na condução dos treinos; outra, entre treinadores, com a crítica e análise dos jogos e treinos, aprofundamento da teoria da especialidade, e aprofundamento da teoria do treino em ligação com o trabalho prático. Já os árbitros, como podemos antever, além das arbitragens tinham encontros com os jogadores e treinadores, aprofundamento do conhecimento do regulamento em ligação com o conhecimento dos níveis de competição. Neste estágios preconizava-se uma correspondência desejável entre o nível dos treinadores, jogadores e árbitros.

Como diziam os organizadores destes estágios, “há uma grande diferença entre estudar basquetebol e ensinar a alguém a jogar basquetebol. O estágio de tipo clássico ataca apenas o primeiro aspecto (estudar o basquetebol)”. E continuando, afirmavam que para ajudar o treinador a formar-se, é preciso “responder a quatro exigências:

E desses princípios decorrem as consequências: os estagiários devem ter material humano desportivo à sua disposição; haver uma organização de competições; e organizar o estágio para que os progressos se verifiquem.

Robert Mérand apresentou esquematicamente a estrutura destes estágios, da seguinte forma:

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Como afirmámos no início deste escrito, hoje a formação dos agentes do basquetebol desmultiplicou-se e isso é muito bom pois permite um acesso mais fácil à informação e à formação. Contudo, nada há que verdadeiramente substitua a comunicação presencial e o debate sobre os problemas concretos que se apresentam no dia a dia do treino e das competições. Daí que pensemos que o exemplo do formato dos estágios Henri Martin, ainda hoje poderia ser extremamente válido para certos momentos da formação dos vários actores do basquetebol, incluindo também aqui os dirigentes desportivos. Fica aqui a ideia.

Vandevelde, M. (2007). Éducation physique et basket-ball. Robert Mérand: un regard neuf sur l'activité de l'élève. Paris: Nouveaux regards / Éditions Syllepse / Centre EPS et société.

 

 
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