Professores de atletas

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altQuando o basquete começou a tornar-se mais sério na minha vida, comecei a ter menos tempo para os estudos, mas nunca descuidei. Passei de 2 treinos por semana e um jogo ao fim-de-semana,

para 6 treinos por semana e 2 jogos ao fim-de-semana...

Temos visto que a cultura desportiva em Portugal resume-se ao escalão sénior masculino de futebol, tudo o resto é apenas uma coisa gira de se fazer, ainda que tenhas um ritmo de treinos alto. A não ser que sejas a Telma Monteiro, o Nelson Evora, ou a Patrícia Mamona, que aparecem na televisão, tudo o resto é um hobby aos olhos das pessoas.

Um professor que me dava aulas já há quase dois anos, e que sabia que eu era da seleção, um dia viu-me a jogar no pátio da escola. Ficou todo espantado porque eu sabia jogar basquete. Eu nem estava a fazer nada de especial, estava a jogar contra dois amigos meus... Impressionou-me ele saber que eu era internacional, ver-me a fazer umas entradas para o cesto, e achar super fora do normal.

À parte dessa falta de noção, temos o facto de que a vida de atleta tem um prazo de validade, e obviamente, cerca de metade ou mais do processo desportivo, é dividido com o académico. Mas se um atleta quer chegar longe, em determinado momento, num certo nível desportivo, os estudos têm que se tornar segunda prioridade, para podermos chegar o mais longe possível no desporto.

Os professores não entendem isso. Acham estranho um adolescente não ter os estudos como prioridade. Não entendem que o facto de ser segunda prioridade, não quer dizer que não seja uma prioridade também, apenas não é a primeira.

Sendo que em Portugal já não é fácil ser-se atleta, ainda temos dificuldades acrescidas impostas por quem nos devia apoiar mais.

O meu diretor de turma do Secundário disse-me mais que uma vez que, se eu "continuasse assim", não ia acabar o 12o ano, e se acabasse não ia entrar na Universidade. Enganou-se.

Uma professora minha disse-me que era impossível alguém treinar tanto, estar a fazer o Secundário, e tirar a carta ao mesmo tempo. Que alguma coisa iria ficar para traz. Também se enganou.

Uma outra professora (prima da anterior), uma vez tive um 18 na disciplina dela, e ela ficou toda espantada, elogiou-me à frente de todos. Aquele elogio, ofendeu-me. Para mim era tão normal como outro colega meu ter 18. Ela disse-me que eu era uma coitada, que passava a vida de um lado para o outro. Enganou-se também. Não se chama "coitada", chama-se "privilegiada".

Na universidade, uma professora não me quis adiar um exame, mesmo eu tendo estatuto de alta competição, mesmo sabendo que ia fazer um jogo internacional fora do país. Achava que as coisas não era assim, que tinha que ser igual para todos, e ficou chateada de eu sequer pedir.

Tive professores a aconselharem colegas meus a não fazerem trabalhos de grupo comigo, porque eu nunca tinha tempo.

Outros professores que me aconselharam a não fazer a parte mais importante de um trabalho de grupo.

Podia ficar aqui o dia todo a contar todas as razões pelas quais eu podia ter desistido. Mas a questão nem é essa. A questão é, porque é que ainda temos por aí professores tão tradicionais, tão pouco atualizados, que ainda acham que os seus alunos só deviam estudar?

Estudos mostram que a prática desportiva aumenta as capacidades cognitivas, a capacidade de raciocínio, de resolução de problemas... Mas hoje em dia o atleta estudante é mais coagido a escolher, deixando algo para trás, do que ensinado a conciliar.

Tem que ser um trabalho conjunto. Entre atletas, treinadores, pais e professores. Passei a vida a ouvir a frase "Foste tu que escolheste jogar, agora arcas com as consequências." Não são consequências, é um estilo de vida ainda pouco respeitado.

Podemos treinar mais, ter melhores treinadores, ter melhores condições de treino... Enquanto a sociedade não evoluir com isso, continuaremos a ter apenas alguns poucos atletas super-heróis que sobrevivem a tantas dificuldades e chegam longe.

É difícil? Não sei... Mas esta mentalidade de certeza que não facilita.

Até para a semana!

Nádia Tavares

Psicóloga - Coach Certificada - Practitioner PNL
Skype: nadia_t33
964407253

 

 
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