Carta a um treinador

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site Planeta BasketA Federação Portuguesa de Basquetebol tem vindo a desenvolver um projecto de detecção de talentos.

Quanto menor é a quantidade de praticantes duma modalidade, maior deve ser o cuidado no acompanhamento dos jovens que vamos são identificados como promissores.

No entanto o estarmos apenas atentos a estes jovens pode não ser suficiente. Acreditamos que sensibilizar e alertar treinadores para situações que devem merecer reflexão e um pouco da nossa atenção, mais do que um alerta é uma obrigação deste site. Quantos jovens, nomeadamente por razões de maturação biológica, poderão nem sequer chegar a ser identificados. Embora remetendo para outra modalidade e outro contexto, existem cartas que são intemporais e que por isso de tempos a tempos devem ser de novo divulgadas. Com a devida vénia e para reflexão de quem não conhece esta carta vamos transcrever na integra a uma carta de Larry Brooks publicada na revista americana Scholastic Coach de Janeiro de 1976 e traduzida no livro do IDP Treino para jovens – “O que todos precisam de saber” de Jorge Adelino, Jorge Vieira e Olímpio Coelho.

“Caro treinador

Certamente que já não se lembra de mim. Passaram apenas alguns anos. Eu era um daqueles que todas as épocas andavam à sua volta para tentar entrar na equipa, sem terem a menor ideia de como se joga, Pense bem veja se consegue recordar-se: eu era aquele rapaz alto e magricela, um pouco mais fraco do que os restantes.

Ainda não se lembra de mim? Pois olhe eu recordo-me perfeitamente de si! Eu tinha medo quando o ouvia bater as palmas e gritar: “força”, “depressa”. Lembro-me de como costumava rir-se de mim e dos outros como eu, quando falhava uma placagem ou me ultrapassavam no um contra um.

O senhor nunca me convocou para um jogo. Apenas às vezes, quando estava a conversar com os melhores da equipa à volta do quadro para ensinar a táctica, eu tinha a oportunidade de jogar com os outros tão fracos como eu.

No entanto, vou-lhe revelar um segredo: apesar de tudo isso, eu tinha uma grande admiração pelo senhor. Aliás, todos tínhamos. Mas agora que sou um pouco mais velho e tenho os olhos mais abertos, queria também dizer-lhe que o senhor estragou tudo! Desde esse ano nunca mais quis jogar futebol. O senhor conseguiu convencer-me que eu não era capaz nem suficientemente “forte” para jogar.

Lembro-me daquele primeiro dia de treino, perguntou quem queria jogar na posição de defesa. Como eu sempre quis ser defesa, levantei o braço. Porém, na primeira situação em que tentei agarrar um avançado, quase que fui “atropelado”.
O senhor riu-se. Riu-se muito! Disse que era melhor eu experimentar qualquer outra posição e nunca mais tentar fazer uma placagem. Toda a gente se riu. O senhor tinha mesmo muita graça!

Numa outra vez, num treino, falhei a intercepção após uma boa finta do adversário e caí “ao comprido” no chão. “Vá lá! Pareces uma menina!” disse para mim. Apeteceu-me dizer-lhe, com toda a minha raiva, de quanto  eu gostava de ter ganho aquela bola. Mas se eu dissesse alguma coisa o senhor ter-me-ia humilhado logo de seguida, pois era muito disciplinador e não gostava que alguém lhe respondesse.

Continuei a treinar mais algum tempo e, um certo dia, consegui fazer uma boa jogada, interceptando um perigoso movimento do ataque contrário. Fiquei todo satisfeito. Porém, quando olhei para si, fiquei triste: o senhor estava a falar com o treinador adjunto e não tinha visto. Nunca estava atento ao que eu fazia.

Sabe, eu sou o primeiro a admitir que, na altura, não tinha lá muito jeito para aquela modalidade. Mesmo que o senhor me tivesse ensinado muita técnica, dificilmente iria passar da cepa torta e de ser um jogador relativamente fraco. Era um daqueles jovens que, embora com a mesma idade dos outros, estava um par de anos atrás deles em maturidade e força.

Ao não se aperceber disto o senhor esta talvez a cometer o seu maior erro! Depois disso cresci. Experimentei outras modalidades. Cheguei a júnior e, sem ser um grande sprinter, conseguia correr bastante rápido. Entretanto também ganhei peso. E aquele jogador iniciado e franzino, era agora capaz de atirar a bola de beisebol com mais força do que ninguém na zona. Nesta modalidade fui escolhido para uma das melhores equipas da região.

Quando o meu corpo ganhou maturidade, os treinadores das equipas de futebol não me deixavam descansado, com convites atrás de convites para eu ir para o futebol. Respondia-lhes sempre que não gostava da modalidade. “Mas porquê? És uma força da natureza” – diziam-me tentando convencer-me! “Desculpem, mas não quero! O futebol não é a minha modalidade!”

Olhando para trás, digo-lhe agora que tenho pena de não ter conseguido vingar no futebol. Teria gostado bastante. Até era capaz de ter ajudado a equipa. Mas, por sua causa, fiquei contra a modalidade, mesmo sem nunca ter conseguido entrar verdadeiramente nela. Um pouco mais de treino e um pouco mais de encorajamento e quem sabe o que eu seria capaz de fazer? Sinto um grande desgosto de nunca poder responder a esta pergunta!

Sei que o senhor continua a treinar. Quantos praticantes como eu, com algumas potencialidades, mas atrasados um ou dois anos face aos restantes em termos de maturidade biológica, o senhor vai este ano desencorajar? Quantos deles irão ser, tal como eu, motivo para algumas das suas piadas?

Tenho muita pena! O senhor está numa posição em que pode fazer bem a muitos jovens. Porém, tenho dúvidas que o consiga vir a fazer. Nunca vai perder uma oportunidade que seja para mostrar quanto é uma pessoa importante., que é capaz de gritar com todos para tentar impor respeito, pensando que ensinar é apenas isso.

Hoje tenho a certeza que está profundamente errado. “

Larry Brooks

 

Comentários 

 
+7 #3 Site Planeta Basket 24-06-2011 11:49
Pela consideração que temos pelo trabalho do Prof. Rui Alves e pelo facto de o texto da Carta a um treinador ter suscitado dúvidas e ter sido considerado ambíguo, vem o Planeta Basket elucidar o seguinte:
1º Consideramos o projecto de detecção de valores é de extrema importância, pelo que, é um projecto que apoiamos e teremos todo o gosto em sermos mais um veículo da sua divulgação.
2º Pelo exposto nunca o quisemos por em causa, questionar ou criticar.
3º Quanto à ambiguidade do artigo informamos que este não pretende ser nem uma crítica nem um elogio, mas apenas um alerta para todos os que trabalham com jovens que possam vir a ser detectados e seleccionados.
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-3 #2 Rui Alves 24-06-2011 02:33
Conheço a carta desde os meus primeiros passos de treinador e continuo a gostar muito dela... Mas permitam-me a pergunta: porquê a associação com o Programa Nacional de Detecção de Talentos da FPB? É uma crítica? É um elogio? É um reforço? Já me chegaram várias interpretações o que significa, pelo menos, que o artigo não está bem escrito. Enfim... contem comigo para algum esclarecimento sobre o tema, se eu for capaz.
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+14 #1 Famse 22-06-2011 07:57
Como era bom que todos os treinadores, principalmente dos escalões mais jovens, e de qualquer modalidade, lessem este texto! Muito real!
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