Entrevista com Mário Gomes

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alt"Que vale a pena continuar se, a cada dia, for sentindo que continua a amar o jogo e o que faz, que o “bichinho” continua vivo, que tem gozo em treinar."

 
A dupla Mário Palma/Mário Gomes é muito famosa no Portugal. Qual é o segredo desta dupla de sucesso?

Acho que não há “segredo”... Antes de mais, a “fama” vem dos resultados, os quais, aliás, já eram conseguidos pelo M. Palma antes de “formarmos dupla”. Quanto ao mais, trabalhamos como penso que uma dupla de treinadores o deve fazer: os objectivos são partilhados, os papéis e responsabilidades estão perfeitamente claros, as divergências são discutidas aberta e frontalmente, as decisões, depois de tomadas, são “sagradas”.

Entendemo-nos bem, temos a sorte de sermos pessoas diferentes, o que nos permite sermos complementares... Mas, quanto a mim, o mais importante é que a nossa relação pessoal se baseia na honestidade, lealdade e confiança mútua e, por outro lado, como treinadores, partilhamos de idênticas filosofias. Se me é permitido um “conselho”, direi que só se deve aceitar ser adjunto de alguém com quem nos identifiquemos.

Voltando à questão da “fama”, duas notas mais: o meu trabalho foi desde sempre publicamente destacado e valorizado pelo M. Palma, o que nem todos os treinadores principais fazem; os resultados que temos conseguido, para além do mérito dos treinadores, só têm sido possíveis com o esforço, a cooperação e o empenhamento de todos os que connosco têm feito equipa ao longo destes anos: dirigentes, médicos, fisioterapeutas, roupeiros e, acima de tudo, dos jogadores!

Na sua opinião qual é a importância do treinador adjunto? Quais são as funções dos treinadores - adjuntos durante os jogos oficiais?

A resposta está implícita na anterior, a importância do treinador adjunto depende da forma como a equipa de trabalho “funciona”, ou seja, de existir, ou não, um verdadeiro trabalho de equipa.

Pessoalmente, preparo-me para os jogos oficiais exactamente da mesma forma, seja treinador principal ou adjunto. O que é necessariamente diferente é a intervenção durante o jogo, ambos os treinadores têm espaços de intervenção diferentes e o treinador adjunto deve ter o cuidado de não interferir com o espaço do principal (erro que, por vezes, cometo...). No meu caso, procuro estar mais atento aos detalhes (até por ser o responsável pelo scouting), manter os jogadores que estão no “banco” prontos para entrar em campo (por exemplo, chamando a atenção para erros que a equipa está a cometer ou outros pormenores importantes), “controlar” as reacções do “banco”, nomeadamente em relação aos árbitros. Obviamente, cabe também ao adjunto fazer sugestões que considere pertinentes ao treinador principal, mas... Há que ter, na minha opinião, dois cuidados: tais sugestões não devem ser constantes, devem ser (relativamente) poucas ao longo do jogo e, por outro lado, devem ser feitas apenas se corresponderem a uma certeza do adjunto, levantar (mais) dúvidas não ajuda o treinador principal a tomar as suas decisões. Finalmente, algo a que dou muita importância: o treinador adjunto deve mostrar-se sempre positivo ao longo do jogo e transmitir ânimo aos jogadores, em particular nos momentos mais críticos para a equipa. 

Na sua opinião quais são as principais diferenças entre treinar um clube ou uma selecção nacional?

As diferenças são tantas e tão óbvias que tenho dúvidas sobre como responder. Trabalhar com uma selecção nacional tem vantagens e desvantagens...

A principal vantagem é a de, pelo menos teoricamente, trabalharmos com os melhores jogadores, logo temos mais possibilidades de fazer um trabalho de qualidade. Quanto a desvantagens, quanto a mim, a principal é a de o êxito do nosso trabalho depender de factores que não controlamos, nomeadamente da forma como se treina e joga nos clubes. No trabalho com a equipa há especificidades próprias numa selecção nacional, designadamente no controle dos diferentes “estados de forma” dos jogadores e nos aspectos motivacionais.

As suas equipas têm fama de defender muito bem. Considera-se um treinador defensivo?

Não, acho mesmo que isso não existe... A minha concepção do nosso jogo é a que está implícita no seu próprio espírito, nos objectivos a perseguir: marcar pontos e impedir que o adversário marque! As próprias regras do jogo não permitem pensar em treinadores “defensivos” ou “ofensivos”, não é possível jogar “ao ataque” ou “à defesa” (como no futebol, por exemplo...). Agora, tenho a convicção que só é possível ganhar se se defender bem (e acho que isto se aplica a todos os desportos colectivos) e também que é verdade que uma equipa consistente é, antes de mais, muito sólida defensivamente. E isto por uma razão simples: sendo o basquete um jogo de precisão, de percentagens de acertos e erros, é óbvio que o ataque, “por natureza”, terá sempre oscilações... Já a defesa pode – e deve – estar sempre a um nível elevado. Acredito que, tacticamente, este é o denominador comum das chamadas “equipas de sucesso”.

Qual foi o jogador mais valioso com quem já trabalhou?

Se fosse obrigado a indicar só um nome... Carlos Lisboa!

No entanto, o basquete é um desporto colectivo, pelo que só há jogadores valiosos se houver equipas valiosas!

Posto isto, há nomes que são indissociáveis uns dos outros e, então, terei que indicar, em conjunto com o Carlos, o Pedro Miguel e o Jean Jacques.

E também os grandes defensores: Mike Plowden, Flávio Nascimento, José Carlos Guimarães, Carlos Seixas.

E os que não aparecem nas estatísticas, mas sem os quais não há “jogadores mais valiosos”: Steve Rocha, “Salva” Diez, Juan Carlos Barros.

E, felizmente, tantos outros...
 
Qual é a sua opinião sobre o actual estado de basquetebol português?

Não serei a pessoa mais indicada para responder a esta pergunta, por razões que todos entenderão, apesar de tentar manter-me informado sobre o que se vai passando.

À distância, parece-me que existe potencial que continua a não ser devidamente aproveitado, fundamentalmente porque desde há uns anos que padecemos duma doença grave: deixámos de ser capazes de construir e respeitar compromissos no basquete português! E, neste aspecto, nós, treinadores, em particular os da minha geração, somos os principais responsáveis. Deixámos os treinadores mais novos sem referências, não assumimos (com honrosas excepções) o papel de coordenadores e formadores de treinadores nos nossos clubes, perdemos o poder de influência institucional (nas Associações, na Federação, na Liga...), permitimos que a ANTB chegasse ao estado a que chegou, etc., etc.

Para deixarmos de ser aquele basquete em que é possível, ao mesmo tempo, organizar a “Festa do Basquetebol” e ver uma quantidade significativa de jogos “da formação” serem palco de tudo o que não deve ter lugar num tal contexto ou fazer um “Europeu” brilhante e, logo a seguir, acabar com a Liga e com a competição profissional, só há um caminho: estabelecermos compromissos, quer quanto às metas a atingir, quer nas estratégias a implementar para lá chegarmos.

Isto só será possível se os treinadores forem capazes de se (re)assumir, organizadamente, como orientadores dum tal processo e, por outro lado, se houver mudança de pessoas em muitos dos centros de decisão (nos diversos níveis) do basquetebol português. Mudar sem mudar pessoas...é uma falácia!  

Gostaria de voltar a trabalhar em Portugal? Porquê?

Claro que sim!

Porque...é o que sempre quis fazer, desde os meus 18 anos, quando fiz o meu primeiro curso de treinadores!

E também porque continuo a sentir-me como fazendo parte do nosso basquete e gostaria de ainda poder contribuir para o seu desenvolvimento.

Como se explica, na sua opinião, o êxito da participação da Selecção Nacional no Eurobasket 2007?

A primeira razão foi a de se terem definido objectivos claros para cada uma das etapas, a selecção nacional foi para competir e não para “aprender”. Doutra forma...não é possível ganhar! Este é um primeiro aspecto em que há que dar mérito aos dirigentes (nomeadamente, ao Presidente da FPB), aos treinadores (em primeiro lugar, ao Valentim Melnynchuck) e restante staff e aos jogadores.

Depois, tanto quanto sei, foram proporcionadas condições para que a equipa se preparasse adequadamente. Mais mérito para quem dirige.

Finalmente... Equipa técnica, restante staff e jogadores fizeram o trabalho bem feito! Foram uma equipa, lutaram, tiveram qualidade... Mérito deles.

Uma outra razão foi, a meu ver, também essencial: possuímos um grupo de jogadores com talento suficiente para conseguir resultados deste nível, como, aliás, já tivemos em gerações anteriores, mas com uma diferença significativa... Este grupo apresentou-se melhor preparado, em virtude de os jogadores serem profissionais, o que lhes permitiu uma evolução que, doutra forma, não teria sido possível. Numa palavra: uma das explicações para este resultado da nossa selecção nacional foi a existência da prática profissional do basquetebol em Portugal.

Acha que a selecção nacional masculina vai passar o grupo de pré-qualificação de apuramento para o campeonato de Europa?

Assim o desejo!

Vai ser muito difícil, até porque algum “efeito surpresa”, que possa ter existido, deixará de se verificar.

Penso que a equipa tem valor suficiente para conseguir esse objectivo, mas também penso que é leviano dizer que o basquete português é melhor que o dos países que vão competir no nosso grupo.

Assim, o que é importante é ter esse objectivo bem claro (o que é diferente de obrigação...) e que a equipa tenha uma boa preparação que lhe permita jogar “de igual para igual” contra os diferentes adversários. Depois, a própria competição colocará cada equipa no seu devido lugar.

Gostaria de treinar uma equipa de NBA? Porquê?

Esta é quase como perguntar ao cego se quer ver!

Sinceramente, nunca pensei nisso... Gosto muito de sonhar, mas...acordado!

Que conselhos daria a um jovem treinador Português em início de carreira?

Que vale a pena continuar se, a cada dia, for sentindo que continua a amar o jogo e o que faz, que o “bichinho” continua vivo, que tem gozo em treinar.

Que tenha sempre presente que os jogadores que treinamos são a razão de ser da nossa actividade.

Que procure os companheiros mais experientes que o possam ajudar, para se ser treinador há que “sair do casulo”.

O que pensa do projecto planetabasket?

Penso que pode ser muito útil à modalidade em Portugal, vem responder a uma necessidade premente, pois, nos nossos dias, este é um espaço que tem que estar preenchido.

Espero que os objectivos que guiam este projecto se cumpram, tendo perfeita consciência que isso depende, em grande parte, não dos promotores, mas sim daqueles a quem se dirige, particularmente dos treinadores, do seu interesse em mantê-lo vivo e de boa saúde.

Sabem, melhor que eu, que não será fácil, mas...pode conseguir-se!

Desde já, os meus sinceros parabéns pela coragem de terem posto “mãos à obra”!

E que o planetabasket tenha longa vida!

 

 
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