Dinamizar e recrutar

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altHoje viajamos até à Madeira, um autêntico paraíso do basquetebol feminino, para falar com a treinadora Luísa Montes.

E quando abordamos assuntos relevantes, como “O que falta no basquetebol feminino", é obrigatório alargar os horizontes e ouvir a opinião de alguém como a Luísa que trabalha desde há muito na formação. Estamos convictos do valor da sua opinião e como tal, vamos ouvi-la.


Na sua opinião, porque é que todas as desculpas utilizadas para justificar o insucesso do sector masculino, não ajudam a desculpar os resultados no sector feminino?
Algumas das dificuldades sentidas no sector masculino são comuns ao sector feminino. Contudo, o basquetebol masculino tem algumas particularidades distintas, tal como acontece no feminino. Julgo que no basquetebol masculino a componente física/atlética tem um peso muito maior do que acontece no feminino, onde essas diferenças são debeladas com maior facilidade fruto da elevada qualidade técnica que por vezes as nossas atletas apresentam. Num país como o nosso, onde a estatura média normalmente é inferior à dos países com quem competimos, a partir de uma certa idade é difícil compensar as diferenças físicas; ou seja, por mais fortes que os jogadores sejam tecnicamente, a partir de determinados escalões falta-nos tamanho e músculo para contrariar o domínio adversário nalguns aspectos do jogo que por vezes acabam por fazer a diferença. Apesar de tudo, relembro que no Eurobasket 2008 a nossa Selecção Sénior Masculina demonstrou que é possível contrariar as dificuldades impostas pela nossa baixa estatura, imprimindo uma elevada velocidade ao jogo e, sobretudo, praticando uma defesa de qualidade acima da média, graças ao espírito de sacrifício colocado em campo e a todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos. "Defender é querer" - se os jogadores, se as equipas acreditarem nisso, é possível superar as dificuldades existentes e, desse modo, esgotar-se-ão as "desculpas" e irá contrariar-se a tendência dos resultados. E isto aplica-se a ambos os sectores, onde há sempre espaço para melhorar.

Acha que a participação das jovens atletas com 16 e 17 anos nas equipas da Liga Feminina é benéfica para elas? Porquê?
Em primeiro lugar gostaria de referir que a integração de jovens atletas nas equipas seniores é a prova de que o trabalho desenvolvido na formação dos clubes é um trabalho de qualidade, que faz com que as mesmas atinjam um determinado patamar que lhes permite treinar e competir ao mais alto nível. Existem jogadoras com 16 e 17 anos com enorme potencial e cuja integração nas equipas seniores é a garantia de que encontrarão maiores dificuldades e um maior nível de exigência que lhes permita continuarem a evoluir, quer nos treinos, quer nos minutos de jogo que entretanto possam vir a ter. Alguns poderão considerar essa integração demasiado precoce, dado que os diferentes escalões oferecem diferentes etapas e perspectivas de desenvolvimento. Porém, julgo que os benefícios dessa integração superam claramente quaisquer desvantagens que alguns poderão apontar. Ao trabalharem com as melhores essas atletas progredirão ainda mais. Para além disso, quando essas jovens atletas integram as equipas seniores normalmente continuam a competir ou até mesmo a treinar no seu escalão, garantindo-se dessa forma que continuam a ter uma formação orientada para determinados aspectos técnicos do jogo e com maior enfoque na individualização da aprendizagem. É, também, a garantia de que mantêm o seu espaço de competição natural, onde podem competir com atletas da sua idade e colocar em prática toda a qualidade do seu jogo, durante mais minutos de jogo do que habitualmente acontece nas equipas seniores. 

Porque é que há tão poucas selecções a competir a nível europeu, no escalão de Sub20, (na divisão B apenas participam cerca de 10 equipas)?
O número reduzido de selecções de Sub-20 deve-se provavelmente à escolha que algumas atletas são obrigadas a fazer quando atingem essas idades. As atletas com 18 e 19 anos são muitas vezes confrontadas com uma escolha difícil, que as coloca entre os estudos e o basquete. Quem pretende praticar basquete com essa idade fá-lo, na maioria dos casos, em equipas seniores, onde o nível de exigência e a carga de trabalho são maiores, o que habitualmente implica uma menor disponibilidade para dedicar-se por completo aos estudos. Infelizmente, o basquetebol feminino nalguns países, nomeadamente naqueles que habitualmente competem na Divisão B do Europeu, não oferece as garantias que o sector masculino actualmente oferece, o que de certo modo justifica a escolha que por vezes é feita e a redução drástica do número de praticantes na transição para esse escalão.

Apesar de alguns bons resultados nos escalões de formação, a Equipa Nacional Sénior continua sem conseguir obter bons resultados. Porquê?
Julgo que os resultados na equipa nacional sénior aparecerão mais cedo ou mais tarde. A equipa técnica liderada pelo Ricardo Vasconcelos tem todas as condições para alterar essa realidade, graças à sua capacidade de liderança, à capacidade para motivar as suas atletas e orientá-las com vista a atingir determinados objectivos e, finalmente, fruto do vasto conhecimento técnico-táctico que possui do jogo. Tenho a convicção de que a nossa equipa sénior estará devidamente preparada para enfrentar os desafios que surgirem. Acredito que deixaremos de ter atletas ausentes por motivos pessoais e que todas as atletas portuguesas que competem ao mais alto nível mostrar-se-ão disponíveis para fazerem parte de um projecto que honre o basquetebol feminino português e que traduza o seu real valor, que eu acredito ser superior ao que por vezes temos apresentado. O potencial existe e acredito que a disponibilidade de todos os envolvidos nesse projecto é total, bem como a vontade de alterar a realidade recente.

Na sua opinião, as provas europeias de clubes contribuem para a evolução das basquetebolistas portuguesas? Como?
É evidente que sim. As provas europeias de clubes são competições onde o nível do basquetebol praticado é elevado e com a participação nessas competições as jogadoras portuguesas têm a oportunidade de competir mais vezes a um nível superior. Falar em mais jogos é o mesmo que falar em mais minutos de jogo, maiores dificuldades, mais experiência, maior possibilidade de conquistar troféus, maior motivação e, no final de contas, maior evolução. A participação dos clubes portugueses nas competições europeias é fundamental não apenas para o crescimento e desenvolvimento das atletas, mas também para o desenvolvimento dos clubes portugueses e, em última análise, das nossas selecções. A participação dos clubes portugueses nessas competições garante o aumento da experiência de todos os envolvidos, atletas, treinadores e até mesmo dirigentes, contribuindo para a progressão do nosso basquetebol e para o aumento do prestígio da nossa modalidade, aproximando-a cada vez mais da realidade europeia.

Quais são, na sua opinião, os verdadeiros problemas que o basquetebol feminino sente e enfrenta?
Creio que o basquetebol feminino está a retomar aos poucos o caminho certo. Julgo que o basquetebol feminino já enfrentou piores alturas. As competições nacionais estão a revitalizar-se: a Liga Feminina está mais forte, tem mais candidatos ao título e hoje consegue recrutar algumas jogadoras portuguesas de qualidade e com grande experiência, algumas das quais noutras situações optaram por jogar no estrangeiro, e a Primeira Divisão Feminina voltou a apresentar um campeonato altamente competitivo. Hoje em dia os problemas que o basquetebol feminino enfrenta não são muito diferentes daqueles que existem no basquetebol masculino ou até mesmo noutras modalidades ditas amadoras. Os clubes necessitam de atrair mais sponsors, garantindo mais meios de sobrevivência através da publicidade e do financiamento privado. É fundamental voltar a atrair os simpatizantes da modalidade aos pavilhões e dinamizar progressivamente a modalidade. A cultura desportiva portuguesa está muito direccionada para determinados desportos, como o futebol e o futsal, e só será possível alterar esse panorama se a nossa modalidade for capaz de progredir e acompanhar a evolução dos tempos. Os responsáveis federativos, os dirigentes dos clubes e os adeptos do basquetebol feminino estão atentos a essa realidade e têm procurado, com algum sucesso, inverter a tendência dos últimos anos. Em relação à formação é fundamental garantir o recrutamento do maior número possível de atletas, pois só assim se garante a existência de qualidade no trabalho desenvolvido, e isso só será possível enquanto a nossa modalidade mostrar-se suficientemente atractiva para os mais novos e respectivos encarregados de educação.

Quais são, na sua opinião, os factores mais positivos do sector?
Apesar do basquetebol feminino ser considerado menos "espectacular" pelas diferenças físicas existentes em relação ao masculino, julgo que quem pratica e trabalha no feminino sabe que habitualmente contamos com atletas com um grande potencial técnico, são atletas muito inteligentes, que trabalham com um elevado sentido de responsabilidade e que acreditam que um dia mais tarde podem atingir níveis de competição elevados. A qualidade do trabalho desenvolvido no feminino é muito elevada, desde os escalões de formação às equipas seniores, e é feito com grande rigor e sentido de responsabilidade. Para quem trabalha na formação não há maior vitória que ver as suas atletas melhorarem e integrarem as selecções regionais, as selecções nacionais e, finalmente, as equipas e selecções seniores. Felizmente esse cenário tem-se observado no sector feminino e hoje encontramos em todas as equipas da Liga um número crescente de atletas de grande qualidade formadas nos respectivos clubes.

Que soluções e qual é o caminho que o basquetebol feminino deve seguir para ocupar um lugar digno no basquetebol europeu?
As soluções e o caminho a seguir baseiam-se num só pressuposto: trabalho. Precisamos de continuar a acreditar que o nosso trabalho, sobretudo na formação, trará resultados no futuro, que continuaremos a formar pessoas e atletas que aspiram a ser o melhor possível e que mais tarde integrarão os plantéis seniores e serão capazes de dar a devida resposta nos momentos oportunos. As nossas selecções nacionais necessitam de continuar a garantir que são sítios de trabalho por excelência, onde têm lugar as melhores e que juntas serão capazes de levar o nosso basquetebol cada vez mais longe. O sucesso das selecções nacionais depende do trabalho desenvolvido nos clubes, pelo que devemos todos assumir as nossas responsabilidades e desempenhar bem o nosso papel. O basquetebol feminino precisa do contributo de todos os que já cá estão e de todos aqueles que pretendem juntar-se a nós, pois só assim venceremos e seremos capazes de dignificar a modalidade que nos une.

 

Comentários 

 
+3 #2 luisfilipecristovao 15-04-2011 11:21
Trabalhar a capacidade técnica e ensinar o prazer de defender - duas ideias que deviam estar sempre presentes em todos os treinos de basquetebol em Portugal. Vai ser aí que poderemos fazer a diferença.

Parabéns, Luísa
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+5 #1 Bars 13-04-2011 08:51
Grande Luísa!
Quando pegas na equipa sénior??

Cumprimentos
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