Quem joga são os jogadores – parte II
 
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Quem joga são os jogadores – parte II

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Quem joga são os jogadores – parte IIO meu artigo anterior no Planeta Basket, “Quem joga são os jogadores” despertou alguns comentários críticos que pensamos poderem estar na base de um desenvolvimento da minha parte,

para além da breve resposta que dei nos comentários. Para isso farei uma pequena excursão pela temática gémea do ensinar/aprender recorrendo principalmente a palavras do professor Hermínio Barreto.

José Esteves, num comentário ao meu texto, questionava-se sobre o facto de o papel do treinador que estava implícito na citação de Robert Mérand, não realçar a sua função de ensino. Dizia ele: “Então por exemplo no escalão de iniciados devemos "esperar" que os miúdos comecem (sozinhos) a fazer as técnicas "convencionais" - "O trabalho do treinador é o de apreender essas iniciativas técnicas ou tácticas, no estado bruto, de as estudar, de as aperfeiçoar, de as fazer descobrir aos jogadores em atraso" (parte da citação de Mérand, nota minha) - e não tentar ensiná-las?”

Saberes e competências do treinador

É evidente que o trabalho do treinador desmultiplica-se em muitas tarefas, mas a sua tarefa principal é a de ensinar. Robert Mérand em grande parte dos seus escritos deu conta dessa função, mas nesta citação, em particular, queria destacar a importância que deve ter para o treinador a observação e a valorização das iniciativas dos jogadores.

Ensinar depende de muitas variáveis. Depende em primeiro lugar de saber o que se deve ensinar num determinado momento. Essa decisão resulta de uma leitura que o treinador faz do jogo produzido pelos jogadores e da representação mental de um jogo mais evoluído possível de ser realizado. O treinador precisa por isso também de saber o potencial de aprendizagem dos seus jogadores. Todos esses são aspectos que o treinador terá grande vantagem em dominar para melhor ensinar. Assim como é tão necessário ao jogador aprender os “quandos” e os “porquês” de driblar ou de passar, ao ponto de os nossos melhores treinadores há várias décadas terem estabelecido um consenso acerca dessas aprendizagens deverem vir antes dos “comos” dessas técnicas (J. Araújo, 1980; Barreto, 1980 ; Graça & Oliveira, 1994), também ao treinador é exigido saber o “quê” e o “quando” ensinar além de “como” o fazer. O treinador, tal como um professor, deve assim ter um conhecimento alargado, que vai do domínio da matéria de ensino ao conhecimento psicológico e sociológico dos jogadores, passando pela pedagogia e didáctica. Na área da pedagogia há um tipo de conhecimento – o conhecimento pedagógico do conteúdo – que é precioso para quem ensina. Ele entrelaça, no caso do basquetebol, o conhecimento das técnicas, tácticas, etc, o do seu lugar no jogo e nas etapas de desenvolvimento do jogador, com o conhecimento de como elas são ensináveis.

Um outro aspecto muito importante no treino é a consideração acerca da forma como o ensinar se liga ao aprender. John Wooden, como se sabe, foi um dos treinadores de basquetebol mais famosos, tanto pelos resultados obtidos como pela sua personalidade e pedagogia. Deixou marcas inolvidáveis nos seus jogadores e nos seus pares, sendo o seu exemplo algo que transbordou as fronteiras do movimento desportivo.  Ele gostava de afirmar, sabiamente, que o treinador “só ensina quando os seus jogadores realmente aprenderam”.

A pedagogia do basquetebol

Relativamente a estas questões da pedagogia do basquetebol, não resisto a fazer uma citação do professor Hermínio Barreto, longa mas extremamente significativa, onde ele dá conta de como ao longo dos seus anos de experiência, foi aprendendo a ensinar o jogo, e como transformou a sua visão do jogo e da forma como o ensinar. Tal ocorreu na sua experiência de três anos em Moçambique, com jogadores iniciados.

150 treinos mais 20 a 25 jogos por ano, de novo dispondo de total autonomia na direcção e condução da actividade, a significar terreno profícuo ao desenvolvimento, é no nosso olhar sobre o jogo que começa por ocorrer a mudança.

E o que começa a ocorrer, é que, progressivamente, o olhar na busca dos caminhos para ensinar, vai-se libertando da exclusiva conformidade com os conteúdos, para deslizar na identificação dos problemas que a situação de jogo colocava aos aprendizes.

Aprendemos a olhar não para o jogo, mas para o jogo que eles conseguiam jogar, focalizando o olhar nos expedientes de que se socorriam para resolverem os problemas, para daí avaliarmos o nível de competência necessária para poderem ter êxito.

E fomos aprendendo que tínhamos de ser capazes de ver o jogo simultaneamente em duas dimensões. A dimensão real, que se traduzia naquilo que estava a acontecer, e a dimensão antecipativa, que se traduzia naquilo que deveria acontecer.

Situando-nos sempre entre o jovem e o jogo, fomos naturalmente percebendo que cabe a quem ensina adequar as condições de prática, quer às particularidades dos praticantes (competências que possuem), quer aos propósitos da aprendizagem (conseguir que joguem).

A experiência de Moçambique ensinou-nos a compreender que se aprende enquanto se ensina, e ensinou-nos a saber procurar mais com a aprendizagem do que com o ensinar.”(citado em Tavares & Graça, 2004)

O auto-treino do jogador

Já há algumas décadas que muitos treinadores perceberam a importância do treino invisível, daquilo que os jogadores fazem para além dos horários dos treinos. E dentro desse tempo fora da orientação directa do treinador, existem as práticas livres das mais diversas actividades físicas, incluindo a prática do basquetebol informal. Há que fazer uma distinção entre o período em que o jogador pratica livremente e sem objectivos que não sejam os de se divertir juntamente com os seus amigos e os períodos em que os jogadores, embora fora do treino, visam melhorias que depois se repercutam nos treinos.

Hermínio Barreto, escreveu um dia um artigo, algo misteriosamente intitulado “A 1.ª “técnica” não se ensina, e a 2.ª também não”. Nele comparava o tamanho da época e o número de treinos dos jogadores americanos de basquetebol de liceu e os dos congéneres portugueses. Chegou à conclusão que a época em Portugal era maior (10 meses para 6) e o mesmo acontecia no número de treinos. No entanto, o professor Hermínio afirmava que os americanos apresentavam melhores índices técnicos nos fundamentos do jogo. Qual seria o segredo? Para além da cultura de jogo  e qualidade dos treinadores americanos, outros factores tinham o seu peso. O segredo estava sobretudo numa prática desportiva autónoma e livre, para a qual existiam condições propícias, onde os jogadores davam azo às suas experiências, onde a sua motricidade era posta à prova e se desenvolvia. Essa prática, por um lado, prolongava os treinos, e por outro criava bases mais alargadas para os treinos e competições seguintes. Hermínio Barreto referia ainda nesse seu texto um dito popular dos teinadores americanos segundo o qual “os jogadores fazem-se no Verão (defeso) e as equipas no Inverno”.(Barreto, 1987).

De facto pensamos que para termos uma juventude com potencial desportivo generalizado desenvolvido, e também um sector de alto nível, tem de haver uma conjugação de vários tipos de formação e de prática:

  • em primeiro lugar uma formação lúdico-motora na infância e adolescência, com uma dimensão em grande parte livre mas que pode e deve em parte também ser objecto de educação orientada. Aqui incluo as práticas livres do basquetebol de rua;
  • uma formação corporal e desportiva desportiva generalizada na escola, nos seus vários segmentos etários;
  • uma formação desportiva especializada em clubes (é o caso da nossa sociedade) ou escolas;
  • formação especializada de alto nível para os jovens que se destaquem.

Princípios do treino

Interligado com a problemática que vimos a tratar, um dos princípios pedagógicos que o treinador deve respeitar na concepção e orientação dos processos do treino desportivo é o da “participação activa e consciente dos atletas”. Tal permite “um maior progresso e rendimento futuros” (Jorge Araújo, 1982). Ainda segundo Jorge Araújo, o “gradualmente, o atleta deve ir tomando conhecimento acerca de quais os objectivos” do treino, bem como do seu conteúdo e “justificação pedagógica e científica”. O respeito desse princípio permite ao jogador uma maior autonomia de acção, prolongando fora dos horários dos treinos a acção positiva nas actividades autodirigidas.

Para concluirmos gostaríamos de dizer que todos os intervenientes nos processos desportivos, sejam eles jogadores, treinadores, dirigentes, devem ter uma participação activa e consciente. Se isso é norma para todos para os jogadores isso é algo absolutamente imprescindível. Não o fazer é jogar no sub-rendimento.


Araújo, J. (1980). Ser campeão. Lisboa Caminho 
Araújo, J. (1982). Basquetebol português e alta competição. Lisboa: Editorial Caminho.
Barreto, H. (1987). A 1ª "técnica" não se ensina e a 2ª... também não. O Treinador, 18, 15-16.
Barreto, H. (Ed.). (1980 ). Da actividade lúdica à formação desportiva: comunicações apresentadas no Seminário de Metodologia do Basquetebol.  . Lisboa: ISEF-UTL.
Graça, A., & Oliveira, G. (Eds.). (1994). O ensino dos jogos desportivos. Porto: Centro de Estudos dos Jogos Desportivos, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.
Tavares, F., & Graça, A. (Eds.). (2004). O basquetebol e a pedagogia de Hermínio Barreto. Porto: FCDEF-UP.

 

 


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